Vaga de residência no país não acompanha aceleração de médicos formados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de vagas em residência médica no país não estão sendo suficientes para a crescente quantidade de médicos formados. É o que mostra a pesquisa Demografia Médica no Brasil, da USP (Universidade de São Paulo).

A residência é um treinamento em serviço para médicos graduados. Nela, os interessados escolhem uma área para se especializar. Em média, isso leva dois anos. No entanto, em alguns casos, como a neurocirurgia, pode chegar a cinco anos.

Segundo o estudo, a quantidade de estudantes de medicina no país saltou 71% de 2018 a 2024, de 168 mil para 288 mil —sob influência do programa Mais Médicos, criado em 2013. Já o total de residentes aumentou apenas 26%, de 38 mil para 48 mil.

A baixa oferta de oportunidades explica isso. Em 2018, foram abertas 13.244 vagas de residência, e 17.130 profissionais haviam sido formados em 2017. Ou seja, 3.886 oportunidades a menos do que o necessário.

Para 2024, foram disponibilizadas 16.189 vagas em residência, e 27.263 médicos haviam concluído a graduação em 2023. O déficit foi de 11.074.

Isso, segundo Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e responsável pelo estudo, descumpre um dos preceitos do Mais Médicos. “Ele havia instituído que os programas de residência médica ofertarão anualmente vagas equivalentes ao número de egressos dos cursos de graduação em medicina do ano anterior.”

Conforme a Demografia Médica, há uma demanda muito grande por especialistas no SUS (Sistema Único de Saúde), com pacientes esperando meses por consultas. A situação é agravada por desigualdades regionais, com grande concentração de profissionais nas capitais e nos serviços privados.

Os programas de residência no Brasil são supervisionados pela Comissão Nacional de Residência Médica, do MEC (Ministério da Educação). Portanto, seria também responsabilidade do governo federal observar a defasagem e controlar a criação de novas vagas.

Procurada, a pasta de Camilo Santana diz que nos últimos anos alguns dos novos cursos de medicina foram criados a partir de decisões judiciais, sem necessariamente atender aos critérios estabelecidos pelas políticas de educação e de saúde. Isso “pode ocasionar desequilíbrio na relação entre o número de egressos de graduação e de vagas disponíveis nos programas de residência médica”, afirma.

Cerca de 570 mil médicos atuam em território nacional. Destes, 210 mil não fizeram residência.

“Numa projeção, o Brasil terá um milhão de médicos em 2030, mas precisamos ampliar nossa capacidade de formar especialistas ou vamos caminhar para um apagão deles”, Scheffer.

Ele diz já haver falta de profissionais capacitados em algumas especialidades no sistema de saúde, cirurgia, psiquiatria e medicina da família.

No início deste ano, cerca de 50% dos residentes estavam concentrados em apenas seis áreas de atuação: neonatologia medicina intensiva pediátrica, neurologia pediátrica, ecocardiografia, cardiologia pediátrica e endocrinologia pediátrica.

As áreas com menor número de inscritos eram cirurgia videolaparoscópica, foniatria, nutrição parenteral e enteral, sexologia e atendimento ao queimado.

A pesquisa também apontaas vagas em residência estão concentradas na região sudeste, mais especificamente em São Paulo. São os casos, principalmente, da Faculdade de Medicina da USP, da Santa Casa de Misericórdia e da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

MAIS MÉDICOS, MENOS QUALIDADE

O programa Mais Médicos incentivou e facilitou a criação de cursos de medicina no Brasil a fim de sanar a falta de profissionais no SUS (Sistema Único de Saúde).

Esse movimento tornou ainda mais importante o papel da residência médica no país, diz José Eduardo Lutaif Dolci, diretor científico da Associação Médica Brasileira. “Não sabemos a qualidade da formação oferecida. Muitas vezes, uma escola só é inaugurada por ser um negócio rentável, sem se preocupar com a educação propriamente.”

Daí a residência se torna ainda mais importante, como uma forma de garantir um melhor preparo a essas pessoas com experiência prática, opina Dolci.

Precisamos ampliar nossa capacidade de formar especialistas ou vamos caminhar para um apagão deles

Pesquisador e professor da Faculdade de Medicina da USP

Existe outra forma de conseguir um título de especialista no Brasil: por meio de prova nas sociedades médicas. Isso é mais frequente em especialidades sem programas de residência disponíveis ou com características mais ambulatoriais, como medicina do trabalho.

Também é uma opção para médicos que já estão no mercado e buscam reconhecimento formal em uma área específica, sem passar pelo processo intensivo da residência.

Porém, nos últimos anos, uma nova e polêmica modalidade tem crescido: a pós-graduação em medicina cursos de 360 horas oferecidos por instituições privadas. “Em apenas um ano, o residente tem mais de 2.880 horas em serviço”, cita Dolci como comparação. “A qualidade da residência é insubstituível.”

Os formandos nesses programas têm entrado na Justiça para serem reconhecidos como especialistas.

Cerca de 40% desses cursos do país funcionam na modalidade EAD (ensino a distância), o que seria incompatível para uma boa formação em áreas da medicina que demandam conteúdo prático em ambiente presencial.

O preço médio dessas pós-graduações é de R$ 15.782,36, sendo que os online são mais baratos: custam, em média, R$ 5.696,54. As especialidades cirúrgicas apresentaram os maiores valores, R$ 27.239,99, em média. Cursos ofertados nas capitais custam o dobro dos cursos localizados nas demais cidades: R$ 20.080,95 contra R$ 9.328,36, em média.

Embora sejam obrigatórios o credenciamento da instituição de ensino e o registro de informações gerais junto ao MEC, a oferta dessas especializações independe de autorização ou reconhecimento de órgãos do governo.

BRUNO LUCCA / Folhapress

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