SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Caso cumpra as suas promessas de campanha, Donald Trump deve provocar profundos impactos na economia em sua volta à Presidência dos Estados Unidos a partir do ano que vem.
De um lado, o governo norte-americano tende a uma guinada rumo ao protecionismo, com o cerco do republicano a produtos importados (sobretudo da China, mas não apenas). A ideia do eleito é aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as da China. .
De outro, grande parte dos analistas espera que suas medidas tenham impacto no aumento da inflação e, consequentemente, na alta de juros.
No meio de tudo isso, instituições como o Fed (o banco central dos EUA) e a OMC (Organização Mundial do Comércio) vão precisar navegar em um cenário de mais conflitos com a Casa Branca. Veja como as medidas prometidas pelo futuro presidente americano podem impactar a economia global.
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AGRONEGÓCIO
As regiões agrícolas dos EUA se empolgaram com a volta de Trump, mas podem ser prejudicadas por suas medidas. Em 2023, o déficit comercial agropecuário do país foi de US$ 21 bilhões (o que significa que as compras superaram as vendas), e em 2024, até agosto, já era de US$ 27 bilhões. A China, principal cliente dos produtos, pode favorecer o Brasil nesse tipo de aquisição, mas, se os EUA reduzirem a compra de itens chineses, a capacidade de os asiáticos importarem commodities brasileiras também cairia. Já a venda de carne bovina do Brasil para os norte-americanos, que crescia, deve entrar na mira direta do próximo governo.
DESEQUILÍBRIO FISCAL
A redução de impostos para os mais ricos era uma das principais promessas do presidente eleito. Analistas esperam que o republicano torne permanentes os cortes de impostos em 2017 para empresas e ricos, o que em um primeiro momento pode se reverter em investimentos e impulsionar o crescimento econômico, mas com efeito prejudicial depois na arrecadação. Mesmo sem considerar as propostas de Trump, o CBO (órgão independente do Congresso dos EUA na elaboração do Orçamento) já estimava que as contas públicas terão rombo pelos próximos anos. Para 2024, o déficit do país deve ser de US$ 1,8 trilhão (R$ 10 trilhões).
“Os déficits devem permanecer altos no ano fiscal de 2025 e ao longo da próxima década, chegando a US$ 2,9 trilhões [R$ 16 trilhões] até 2034. A diferença entre receita e despesas é grande e está crescendo, e uma mudança substancial de política será necessária para colocar as finanças do país em um caminho sustentável”, afirmou o órgão na quarta-feira (6).
ENERGIA LIMPA
O republicano pode reorientar a política energética para aumentar a produção de petróleo e gás, mas é improvável que desacelere significativamente o crescimento das energias renováveis devido à Lei de Redução da Inflação de Joe Biden, que oferece subsídios para energia solar e eólica. A regulação tem apoio de estados controlados pelo partido de Trump, o que dificulta uma revogação. Ele até pode tentar limitar subsídios para projetos verdes, mas o impacto seria marginal. Ele também planeja acabar com o setor eólico offshore (em alto-mar), alegando altos custos e riscos ambientais.
GUERRA COMERCIAL
Trump prometeu uma nova leva, ainda mais agressiva, de tarifas sobre as importações em seu novo mandato. Tendo os chineses como alvo principal, ele falou em um choque de 60% sobre seus produtos, mas também em impor tarifas de ao menos 10% sobre os importados de outros países. Quando questionado sobre os possíveis efeitos negativos disso na economia global, defendeu que o impacto será positivo e que “tarifa” era a palavra mais bela do mundo. O republicano sustenta que as políticas revitalizariam a indústria e gerariam receita para aliviar preocupações sobre aumento da dívida.
INDEPENDÊNCIA DO FED
A independência do Federal Reserve é considerada crucial para manter a confiança na política monetária, com decisões embasadas para cumprir o mandato duplo (perseguir emprego máximo e preços estáveis). Apesar de a Casa Branca não controlar diretamente a instituição, suas declarações públicas têm peso. Em seu governo anterior, Trump não poupou a instituição e seu presidente, Jerome Powell ao pressionar por cortes de juros. Desta vez, indicou que não conduziria Powell a um novo mandato e que poderia remodelar a entidade por meio de novas indicações.
INFLAÇÃO
Martelar sobre o impacto da inflação no cotidiano dos trabalhadores, sobretudo durante o período de saída da pandemia de Covid-19, foi uma das principais estratégias de Trump na campanha para criticar o desempenho dos democratas. Mas a proposta do republicano, ao ser combinada com cortes de impostos, interferência na política de juros do Fed e políticas de imigração mais rígidas, deve intensificar as pressões sobre os preços. Economistas ganhadores do Prêmio Nobel assinaram uma carta expressando preocupação quanto aos efeitos negativos das propostas de Trump.
JUROS
Os efeitos inflacionários de aplicar as propostas do presidente eleito tendem a pressionar o Fed a manter os juros em um patamar mais alto, e isso tem um efeito que vai além dos Estados Unidos, afetando também o câmbio. No Brasil, ficaria mais difícil para que o Banco Central reduza a Selic. Essa necessidade de elevar juros nos Estados Unidos esbarra na relação esperada com o Fed no futuro governo, que tende a ser conturbada.
MERCADO DE TRABALHO
O presidente eleito chegou a evocar uma lei do século 18 para inflamar a campanha rumo ao combate o que ele chamou de “invasão de imigrantes”. Buscando atrair eleitores, Trump também disse que os estrangeiros roubavam empregos dos mais pobres. Na visão de analistas, cumprir essa promessa eliminaria abruptamente da economia americana uma mão de obra fundamental para manter a inflação sob controle. O efeito sobre o mercado de trabalho seria a elevação de salários e o reflexo disso no aumento dos preços, além de despertar preocupações ligadas à violação de direitos humanos.
ORGANISMOS INTERNACIONAIS ENFRAQUECIDOS
As medidas agressivas de aumento de tarifas sobre importados na tentativa de fortalecer a indústria norte-americana e uma retaliação esperada dos chineses, assim como no mandato anterior de Trump, devem enfraquecer o poder de negociação e arbitragem de organismos internacionais, como a OMC (Organização Mundial do Comércio), ao repudiar compromissos comerciais negociados anteriormente. No primeiro mandato, Trump paralisou o principal tribunal de julgamentos da OMC, ao não indicar juízes, uma situação que se mantém até hoje.
REGULAÇÃO E DIVISÃO DO GOOGLE
Trump pode reduzir políticas antitruste de Biden, incluindo a tentativa de desmembrar o Google. Os processos contra grandes empresas de tecnologia devem continuar em seu governo, mas seu ceticismo sobre dividir o Google pode afetar a discussão. Atualmente, o DOJ (Departamento de Justiça, na sigla em inglês) dos EUA está conduzindo dois processos antimonopólio contra a empresa um sobre buscas na plataforma e outro sobre tecnologia de publicidade. Trump pode recuar em políticas de fusões dos democratas, que são consideradas hostis pelo mercado.
Redação / Folhapress