BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Autoridades de diversos órgãos e seus auxiliares gastaram ao menos R$ 1 milhão em passagens aéreas com dinheiro público para participar do 11º Fórum Jurídico de Lisboa, que reuniu integrantes dos três Poderes em Portugal.
O evento aconteceu de 26 a 28 de junho e foi organizado pelo IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), que tem o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), como sócio e o seu filho como dirigente.
Entre as autoridades que participaram do evento, estão ministros do governo Lula (PT), governadores, deputados federais e membros do Judiciário, além de integrantes de agências de regulação e de conselhos.
A inflada participação de políticos, advogados, empresários e postulantes a cargos no Executivo e no Judiciário fez o evento ficar conhecido como “Gilmarpalooza”, em referência ao festival Lollapalooza.
O fórum foi alvo de críticas por ser um evento distante do público brasileiro no qual integrantes da cúpula dos Poderes se reúnem com interessados nas causas que tramitam na Justiça ou em ações do governo.
A Folha fez o levantamento das passagens em dados disponibilizados em portais de transparência de órgãos públicos e também por meio de solicitações via Lei de Acesso à Informação.
Os números estão subdimensionados, já que parte dos órgãos não respondeu ou não tem os seus portais atualizados com os dados de junho.
Além do custo das passagens de ao menos R$ 1 milhão, a reportagem localizou gastos de no mínimo R$ 490 mil em diárias para o evento.
Nem todos os viajantes bancados com dinheiro público palestraram no fórum. Parte deles foi apenas acompanhar outros políticos e autoridades, assistir às mesas e confraternizar nos eventos paralelos de brasileiros em Portugal.
Autoridades aproveitaram para participar de outros eventos, para fazer agendas políticas e ainda para viajar a países próximos para outros compromissos.
Houve políticos que não utilizaram aeronaves comerciais, mas se deslocaram em estruturas públicas como voos da FAB (Força Aérea Brasileira). Esse foi o caso dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ambos participaram de mesas no evento. Lira abriu o fórum, em um dia cujas discussões estavam centradas no tema “Estado democrático de Direito e defesa das instituições”.
Já Pacheco participou do encerramento, ocasião que teve como eixo temático “políticas públicas, desenvolvimento, responsabilidade fiscal e socioambiental”.
Os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), também viajaram a Lisboa.
O custo da passagem de Tarcísio foi de R$ 31,8 mil. Junto a ele, foram dois secretários de governo, a procuradora-geral do Estado e seu segurança.
Castro foi acompanhado de mais duas pessoas e, em paralelo, viajou uma comitiva de secretários estaduais. Os dois governadores participaram de mesas no evento.
Do governo federal, emitiram passagens ministros como Luiz Marinho (Trabalho) e Vinicius Carvalho (Controladoria-Geral da União).
O ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) aproveitou a ida a Paris tendo como objetivo participar de agendas do presidente Lula para dar uma esticada em Portugal. Com diárias e passagens, o custo da viagem foi de R$ 87 mil.
Algumas passagens foram compradas sob o carimbo de urgência e foi justificado que a presença do palestrante só foi confirmada de última hora.
É o caso da presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), Fernanda Pacobahyba, que gastou R$ 27 mil para ir ao fórum. Com diárias, a viagem saiu por R$ 34 mil.
No campo de justificativa da urgência, ela afirmou que “viagem está fora de prazo, pois somente agora foi confirmada a participação da sra. presidente do FNDE no referido evento”.
Não é a primeira vez que o Fórum Jurídico de Lisboa gera custos de deslocamento para os envolvidos. Em 2019, a Folha também mostrou que haviam sido gastos de ao menos R$ 500 mil no evento com passagens e diárias de autoridades.
Instituto não se manifesta sobre custo das passagens
Procurado e questionado sobre o motivo de não ter pago as diárias e passagens dos agentes públicos, de algumas pessoas não terem confirmado participação com antecedência e também se os palestrantes foram pagos para participar do evento, o IDP não se manifestou.
Em nota, a FGV disse que “os organizadores do evento convidam os palestrantes que, ante sua especialidade, queiram participar, conforme suas disponibilidades. Não existe convocação ou contratação para se proferir palestra”.
O senador Rodrigo Pacheco disse que viajou em voo da FAB, não recebeu diárias e que, além da palestra, se reuniu com o embaixador do Brasil em Portugal, palestrou no Parlamento português e também na Universidade de Coimbra. Ele disse que não recebeu pela palestra.
Já a presidente do FNDE disse que esteve presente em uma mesa sobre desafios do ensino superior após a pandemia junto com o ministro da Educação, Camilo Santana. “Como sua participação teve natureza institucional, os custos da viagem ficaram a cargo do próprio FNDE, não recebendo, portanto, nenhum valor do evento para referida participação.”
O Governo de São Paulo disse que os compromissos de Tarcísio em Lisboa foram amplamente divulgados e não houve remuneração pela participação. “Durante a viagem, o governador se reuniu com empresários e investidores e realizou encontros com representantes e lideranças de governo”, diz nota do governo.
O Ministério de Minas e Energia disse que, como Alexandre Silveira já estava em Paris a convite de Lula, “ele decidiu seguir na Europa para participar de agendas bilaterais estratégicas para o ministério em Portugal”.
Por isso, afirmou o ministério, Silveira participou do fórum de Lisboa, além de “reuniões com empresas para mostrar os potenciais brasileiros em energia e mineração, impulsionando a atração de investimentos para o Brasil”.
Também procurados, Arthur Lira e Cláudio Castro não se manifestaram.
JOSÉ MARQUES / Folhapress