BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Considerada a principal fabricante no Brasil de sistemas pesados de defesa, a Avibras Aeroespacial negocia sua venda para o grupo australiano DefendTex como forma de evitar falência. As tratativas, porém, podem esbarrar na posição do governo brasileiro de não autorizar exportações de produtos militares para a Ucrânia na guerra deflagrada pela invasão russa.
O principal foco dos investidores australianos no curto prazo é a produção e venda de foguetes de calibre 122 mm usados como munição para lançadores empregados pela Ucrânia na guerra contra os russos, disseram à reportagem pessoas envolvidas na negociação.
Os foguetes são usados em um lançador autopropulsado chamado BM-21 Grad, criado na década de 1960 pela antiga União Soviética. A Rússia também utiliza até hoje o mesmo armamento, que possui alcance de 5 km a 45 km.
A munição para o sistema de foguetes está em escassez no mundo, com o uso em larga escala no conflito entre Kiev e Moscou. Apesar de possuir expertise, a Avibras não tem conseguido atender à demanda por causa de seu endividamento.
Há relatos de que outros países do Leste Europeu têm manifestado interesse em adquirir os foguetes, e o mercado poderia ser ampliado com a produção das munições pela Avibras.
A posição de neutralidade do Brasil na Guerra da Ucrânia, porém, pode ser um entrave para o fechamento do acordo, segundo integrantes do governo brasileiro. Isso porque, mesmo sob direção australiana, a Avibras precisaria de aval de autoridades brasileiras para exportar seus foguetes fabricados em São José dos Campos (SP).
Em casos anteriores, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou a exportação de equipamentos e munições para serem usados no contexto da guerra. Em um primeiro caso, o Brasil proibiu a venda de blindados usados na artilharia antiaérea a consulta havia sido feita pela Alemanha, para emprego na Ucrânia.
O governo ainda recusou propostas de venda de munição de tanques e de blindados Guarani modificados para serem usados como ambulância no conflito.
Para integrantes do governo Lula, a venda da Avibras para grupo estrangeiro ainda é incerta, e há uma série de dúvidas sobre a negociação. O Ministério da Defesa espera a concretização da compra para, se for instado, decidir se o grupo seguirá credenciado como Empresa Estratégica de Defesa, classificação que permite alguns benefícios tributários.
A avaliação do círculo próximo do presidente é que não haverá mudança da posição de neutralidade no conflito para socorrer a Avibras. Pessoas com conhecimento das tratativas, porém, acreditam ser possível viabilizar com o governo a exportação de foguetes para países membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Em seguida, esses países entregariam seus estoques de munição para uso na Ucrânia.
A negociação com o grupo australiano ligou o alerta no Exército. A Força mantém um de seus programas estratégicos, o Astros, com exclusividade de fornecimento de mísseis e foguetes da Avibras. Só neste ano, o orçamento previsto para o Astros é de R$ 114 milhões terceira maior fatia de investimento do Exército no âmbito do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento).
Durante as negociações com o DefendTex, a Avibras deu sinalizações de que não deixaria de vender seus mísseis e foguetes para o Brasil nem abandonaria as fábricas. Apesar disso, generais ouvidos pela reportagem contam que ainda há dúvidas sobre o futuro andamento do Astros.
Em março de 2022, a Avibras pediu recuperação judicial, com dívidas estimadas em R$ 570 milhões. De uma só vez, demitiu 420 de seus 1.500 funcionários os remanescentes estão sem salários há dez meses.
Em 2023, Lula chegou a determinar que os ministros José Múcio Monteiro (Defesa) e Geraldo Alckmin (Indústria e vice-presidente) estudassem alternativas para auxiliar a Avibras e evitar seu fechamento.
Pessoas envolvidas nas tratativas disseram que representantes da Defesa conversaram com empresas dos Emirados Árabes para viabilizar uma recuperação da Avibras por meio de novos contratos no exterior. Não houve sucesso.
Em outra frente, o governo avaliou a possibilidade de o Estado brasileiro injetar recursos na empresa, que tem entre seus credores o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
O entendimento, porém, foi o de que a operação seria complexa por causa da falta de um arcabouço legal para socorrer empresas com fins estratégicos.
“[A compra pelos australianos] É uma solução, mas não é a solução ideal. O melhor seria o governo ter dinheiro e usar os recursos para fazer uma intervenção e, consequentemente, assumir a empresa. Mas não tem condição de colocar R$ 500 milhões, isso não está em jogo”, disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Em nota, a Avibras e a DefendTex afirmaram que mantêm “tratativas avançadas para viabilizar um potencial investimento que visa a recuperação econômico-financeira” da empresa brasileira.
Segundo o comunicado, a ideia é manter as unidades fabris no Brasil, retomar as operações o mais rápido possível e manter em vigor os contratos que a empresa possui com o governo brasileiro e demais clientes.
“Ambas as companhias estão empenhadas e trabalhando diligentemente para finalizar os termos e condições específicas do investimento e manterão o mercado informado”, diz o texto.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress