Vila histórica no Tatuapé pode desaparecer com revisão de tombamento em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tombada como patrimônio histórico municipal após ter sido quase totalmente destruída, a vila operária João Migliari -ou o que restou dela- poderá ser eliminada da paisagem do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.

Um pedido de destombamento da área no entorno do conjunto de sobrados que começou a ser discutido há duas semanas pelo Conpresp (conselho de patrimônio da cidade) voltará a ser debatido na próxima reunião do órgão, em 14 de abril, com um parecer favorável pela retirada completa da proteção.

Inicialmente, o tema seria rediscutido nesta segunda-feira (24), mas foi retirado da pauta.

Os cinco sobrados tombados são remanescente de um quarteirão antes ocupadas por 60 casas idênticas, construídas pelo empreendedor italiano Raphael Parente como moradias de aluguel para a classe trabalhadora entre os anos 1940 e 1950.

Em meio a uma crescente valorização imobiliária proporcionada pelo Plano Diretor de 2014, que deu incentivos para que grandes edifícios fossem construídos próximos a estações de metrô e corredores de ônibus, a vila localizada entre as estações Tatuapé e Carrão começou a ser demolida em 2019 por decisão dos proprietários.

Quando o processo de tombamento teve início, cinco sobrados ainda não tinham ido ao chão. Em 2023, o Conpresp tombou o remanescente da vila João Migliari e outros dois conjuntos construídos por Parente.

As demais vilas tombadas estão no Belém, distrito vizinho ao Tatuapé, também na zona leste.

No último dia 10, o Conpresp deu início à discussão sobre um recurso apresentado pelo proprietário das três vilas, que é contra os tombamentos.

Ao avaliar o caso, o DPH (Departamento de Patrimônio Histórico), setor da Secretaria de Cultura da gestão Ricardo Nunes (MDB), manteve a posição a favor da preservação dos conjuntos, mas aceitou a exclusão da área envoltória da vila João Migliari.

Quanto aos dois conjuntos do Belém, o posicionamento foi para a manutenção completa dos tombamentos.

Na avaliação do DPH, a rápida construção de edifícios e de um supermercado próximos aos imóveis do Tatuapé tornaram sem sentido a aplicação da regra que não permite novas edificações no entorno de locais históricos.

Durante a reunião, porém, a discussão caminhou para a possibilidade de retirada total do tombamento da João Migliari. Esse parecer foi apresentado pela relatora Beatriz Mendes, conselheira representante da área de licenciamento da Secretaria de Urbanismo de Nunes.

Ela argumentou sobre eventuais falhas no processo devido à ausência de referências a estudos sobre outras vilas de aluguel, afirmando que o tombamento foi inadequadamente utilizado para atender a grupos contrários à verticalização do bairro.

Após a apresentação do parecer, o processo foi retirado de pauta a pedido de Wilson Levy Braga da Silva Neto, representante do Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia). Esse tipo de exclusão ocorre quando um integrante requer mais tempo para analisar o processo.

Pessoas que acompanham os debates internos do Conpresp disseram à reportagem que entre as nove entidades e departamentos públicos representadas na atual composição do conselho, apenas duas estariam contrárias ao destombamento. Seriam elas o IAB (arquitetos) e OAB (advogados).

A retomada do debate estava pautada para esta segunda-feira, mas foi novamente adiada. A próxima reunião do Conpresp será em 14 de abril.

Desta vez, a exclusão da pauta para prazo adicional para análise ocorreu a pedido da relatora do processo, informou a Secretaria de Cultura.

A prefeitura também destacou que intervenções nos bens relacionados ou em sua área envoltória são de competência do DPH e do Conpresp.

Recorrer a órgãos de preservação do patrimônio para evitar o avanço de prédios em bairros residenciais tem sido um recurso adotado por associações de moradores nas zonas sul e oeste da capital paulista, mas esse não é o caso do Tatuapé, afirma o arquiteto Lucas Chiconi.

Pesquisador das transformações do bairro, ele diz não existir um movimento antiverticalização no Tatuapé e que a motivação para o tombamento é histórica e cultural.

Ele argumenta que os cinco sobrados são os únicos imóveis particulares comuns declarados patrimônio no bairro. Os demais bens tombados correspondem a um parque público (Piqueri), duas escolas públicas e uma casa bandeirista do século 17, que faz parte do Museu da Cidade de São Paulo.

“Antes da vila João Migliari, não havia qualquer tombamento considerando a história da formação dos bairros e da contribuição dos seus grupos sociais para a urbanização”, diz.

CLAYTON CASTELANI / Folhapress

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