MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Os índices de violência não chegam perto das regiões mais inseguras de países vizinhos, e quem vê de fora ainda o descreve como um refúgio da tranquilidade. Mas, para seus habitantes, o Uruguai precisa urgentemente retomar as rédeas da segurança pública.
Motivada pelo avanço do narcotráfico, a insegurança aparece nas pesquisas como o principal ponto de preocupação do eleitorado às vésperas do pleito deste domingo (27), nas quais, com expectativa de ampla participação, os uruguaios elegem um novo presidente.
O cenário da segurança pública motivou ainda outra votação: um plebiscito foi convocado pelo governo para mudar a Constituição e permitir que a polícia realize invasões de residência durante a noite, desde que autorizadas pela Justiça. Pesquisas mostram que o projeto, em votação também neste domingo, tem grandes chances de ser aprovado.
Parece algo pequeno, mas é uma proposta que sofre contestações por especialistas que temem violação de direitos. No Brasil, ações noturnas nas resdiências são proibidas, salvo em casos de flagrante delito ou de desastre. Durante o dia (e elas normalmente são feitas ao amanhecer), apenas com ordem judicial.
Nas palavras do governo de centro-direita, os criminosos ligados ao narcotráfico se aproveitam do impedimento constitucional para se refugiarem e cometerem delitos.
Um dos pontos vulneráveis em termos de segurança é o porto de Montevidéu, considerado um local de baixa fiscalização e usado para escoar a droga da América Latina para a Europa. O país recém-adquiriu três scanners para tentar melhorar o monitoramento das cargas.
Mas vias terrestres também importam, e neste sentido há um temor compartilhado com o Brasil, com quem o país compartilha mais de mil quilômetros de fronteira.
Um foco de atenção está em Rivera, na fronteira com a brasileira Santana do Livramento (RS). Ali, a percepção de interlocutores envolvidos no tema é a de que pequenos grupos atuam a serviço de grandes facções, como PCC e Comando Vermelho.
A avaliação é a de que ainda faltam muitas ações conjuntas, algumas delas envolvendo a Argentina. E a atividade que prolifera nas fronteiras se reflete em violência nos bairros mais periféricos.
“Tudo funciona de maneira muito caótica”, diz a pesquisadora Verónica Pérez, que estuda o tema. “Não há nenhum grupo que domina. Eram clãs familiares que antes se dedicavam a outras atividades ilícitas e agora atuam com as drogas. O microtráfico multiplica a violência.”
As notícias de mortes ocasionadas por disputas entre esses grupos se multiplicam, e a média de homicídios no país tem crescido sem que o atual governo, de Luis Lacalle Pou, tenha conseguido aplacá-las (na pandemia, caíram naturalmente, mas voltaram a crescer). Considerada alta para os padrões locais, a taxa de 10,7 assassinatos por 100 mil habitantes em 2023 é bem inferior, porém, que a de 22,8 por 100 mil registrados no Brasil no ano passado.
A superlotação carcerária também preocupa. O número de detentos cresceu 32% em quatro anos, de 2000 a 2004, fazendo a ocupação checar a 119,7%. Especialistas lembram que é nestas mesmas prisões que grupos como PCC e Comando Vermelho oferecem segurança para os presos, ganhando controle das cadeias.
As propostas dos presidenciáveis divergem pouco, independentemente da força política. Pela Frente Ampla, favorita nas pesquisas, Yamandú Orsi propõe mais câmeras de vigilância, patrulhamento nos bairros e coordenação nas fronteiras.
Durante o encerramento de sua campanha, na terça-feira (22) em Montevidéu, o candidato da esquerda falou também sobre os detidos. “É preciso ser muito duro com os crimes que complicam a vida de nossos bairros e da nossa gente. Trinta uruguaios saem por dia das nossas prisões e não têm nenhuma reabilitação.”
Pelo governista Partido Nacional, Álvaro Delgado fala em propostas semelhantes, mas acrescenta a possível construção de outra prisão de segurança máxima.
Há uma crescente insatisfação popular com o problema. A sombra de 2019, nas últimas presidenciais, ainda pesa. Naquele ano, de forma surpreendente, o partido Cabildo Aberto alcançou mais de 11% dos votos no primeiro turno, uma porcentagem incomum para qualquer partido que não seja um dos três principais (Nacional, Colorado e Frente Ampla).
Liderada pelo ex-militar Guido Manini Ríos, a sigla tem como bandeira principal a linha-dura contra o crime. Nas eleições deste domingo, nada indica que o Cabildo terá resultado semelhante. Mas o debate em torno do plebiscito para permitir invasões residenciais noturnas reforça que há uma questão ainda longe de ser resolvida.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress