SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Disputas entre facções criminosas pelo controle de territórios e da logística do tráfico de drogas podem estar por trás do aumento de mortes violentas no Sul do Brasil. Na contramão de grande parte do país, a região teve aumento nas mortes.
A alta foi de 3,4% de 2021 a 2022, segundo divulgado na quinta (20) no 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O Centro-Oeste, disputado por facções de alcance nacional pelas regiões de fronteira para escoamento de drogas, teve aumento de 0,8% no indicador. O índice de mortes violentas intencionais reúne os crimes de homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial, considerando agentes que estão ou não em serviço. As demais regiões tiveram queda.
Lideram, em números absolutos, o Paraná, com 2.595 vidas perdidas, e o Rio Grande do Sul, com 2.154 vítimas desses crimes. Santa Catarina, historicamente o estado com menos mortes na região, teve uma redução 746 para 689 óbitos (7,6%) de 2021 para 2022.
Segundo Giovane Camargo, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da Universidade Federal do Paraná, a disputa pelo mercado ilegal de drogas, que tem crescido pelo controle de regiões portuárias, é uma das principais causas da violência no estado.
Isso porque o PCC (Primeiro Comando da Capital) tem um domínio tradicional no estado e atua na região do porto de Paranaguá, grande ponto de escoamento de drogas para o exterior. “Por outro lado, Santa Catarina tem o Primeiro Grupo Catarinense, o PGC. O PCC tentou chegar até o estado, mas o PGC acabou não se vinculando.”
Essa tentativa tinha como objetivo dominar as operações ilegais no porto catarinense de Itajaí. Com o rompimento entre a facção paulista e o CV (Comando Vermelho), em 2016, a situação se agravou, já que os catarinenses se aliaram ao grupo criminoso do Rio de Janeiro. “Isso gera um embate muito violento.”
Não à toa, Paranaguá é uma das 50 cidades mais violentas do país. “A questão do controle de distribuição de drogas é a causa central da violência homicida no país”, diz Camargo.
Embora Santa Catarina seja um estado menor em população e registre menos mortes violentas, o estado também está envolvido no conflito, já que há circulação de drogas e armas indo e voltado do Paraná.
“Não saímos desse problema porque as facções se alimentam do próprio encarceramento produzido pela guerra às drogas. Quanto mais pessoas presas por tráfico, mais recrutamento no sistema penitenciário para essas organizações. Quando saem, essas pessoas continuam o ciclo da violência. É um beco sem saída produzido pela repressão.”
No Rio Grande do Sul, a dinâmica da violência está ligada, segundo especialistas, a disputas territoriais de facções locais. “Todos os estudos no estado mostram que os homicídios estão ligados a facções, tráfico de drogas e delitos violentos, como roubo. Não há uma estabilidade como a do PCC em São Paulo, por exemplo” diz o sociólogo Rodrigo Azevedo, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Escola de Direito da PUCRS.
Segundo Azevedo, um dos fundadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a facção mais antiga no estado é a dos Manos. “Depois tivemos o surgimento dos Brasas, que acabou. Os Manos ainda são a mais forte e com ramificações na Grande Porto Alegre, em Novo Hamburgo e São Leopoldo.”
Há cerca de dez anos, o grupo Bala na Cara ganhou força e desafiou a hegemonia de outras facções com o uso e a exibição, em vídeos na internet, de violência. Em resposta, segundo Azevedo, facções menores se organizaram sob a bandeira dos anti-Bala. “São grupos localizados nos bairros e organizados dentro do presídio central de Porto Alegre para combater o crescimento e a invasão dos territórios.”
Em 2017, enquanto o cenário nacional também enfrentava uma ruptura entre PCC e CV (Comando Vermelho), os conflitos por território se agravaram no estado. Isso foi verificado com uma alta nas mortes registradas na série histórica do fórum.
Apesar das quedas após o período, a região, diz Azevedo, ainda sofre com uma instabilidade causada pela fragilidade de acordos de não violência entre os grupos criminosos locais. Não à toa, ele aponta que Rio Grande é uma das 50 cidades mais violentas do país, junto com Alvorada.
“Em Santa Catarina, há índices historicamente mais baixos, e a discussão no estado é sobre outras políticas públicas de segurança. Aqui, o problema é essa alta fragmentação. E muitos homicídios acabam não sendo esclarecidos, o que leva à falta de responsabilização criminal por essas mortes.
Na região Centro-Oeste, uma piora nas disputas por controle da distribuição de drogas pode ser o fator para o aumento na violência. “O que se sabe é de um recrudescimento nas disputas entre PCC e CV. Em Mato Grosso do Sul, com a morte do traficante Jorge Rafaat, em 2016, o PCC havia se tornado hegemônico”, disse Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “É uma reação no estado e em Mato Grosso para retomar o espaço perdido desde 2016.”
LUCAS LACERDA / Folhapress