Vítimas da ditadura, 15 alunos da USP recebem diploma póstumo; saiba quem eram

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eles passaram pelos bancos da mais prestigiosa universidade brasileira, mas a ditadura militar interrompeu os seus caminhos. Nesta segunda-feira (26), os diplomas com que certamente um dia sonharam ter nas mãos serão entregues a familiares, em uma formatura póstuma.

Trata-se do projeto Diplomação da Resistência, da USP (Universidade de São Paulo), que em cerimônia na Cidade Universitária, com transmissão online, prestará homenagem a 15 alunos da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) que foram mortos, direta ou indiretamente, pelo regime instaurado após o golpe de 1964.

“É um reconhecimento de que algumas vidas de estudantes foram brutalmente ceifadas por violências do Estado, de pessoas que certamente teriam carreiras de destaque”, afirma Renato Cymbalista, diretor do Prip (Políticas de Reparação, Memória e Justiça da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento).

As famílias vão receber um diploma honorífico de graduação com o nome dos estudantes. São 31 os apontados pela Comissão da Verdade como merecedores de diplomas post mortem, em toda universidade. Dois receberam a homenagem em dezembro passado, iniciando o projeto: Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Mouth Queiroz, assassinados em 1973 quando eram alunos do curso de geologia.

“Qualquer oportunidade de lembrar o que passamos é positiva, principalmente por ainda ter gente achando que ditadura é bom” diz Helenalda, irmã de Helenira Resende de Souza Nazareth, que prestou letras na USP em 1965.

Helenira trancou o curso dois anos depois e foi eleita vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1968. Na época, foi presa duas vezes: em maio, ao tentar mobilizar colegas para uma passeata, e em outubro, durante um congresso da UNE em Ibiúna, com outros 800 estudantes.

Após passar dois meses no Carandiru, foi liberada por habeas corpus um dia antes da edição do AI-5. Já militante do PCdoB (Partido Comunista do Brasil), viveu na clandestinidade na região do rio Araguaia. Em 29 de setembro de 1972, foi capturada, torturada e morta após confronto com soldados. Seu corpo nunca foi encontrado.

“Nós só fomos saber da morte em 1978, quando José Genoino [ex-presidente do PT], já expulso do PCdoB, nos contou. O Exército não contava e a guerrilha também não, com medo de vazar para o Exército. Nesse meio tempo, o Dops [Departamento de Ordem Política e Social] torturou outra irmã minha, só para descobrir se a família sabia”, conta Helenalda. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerrilha do Araguaia, incluindo Helenira.

Além dela, outros 11 ex-alunos morreram pela ação direta da ditadura brasileira, seja por incessante tortura, execução ou troca de tiros.

O casal Catarina Helena e João Antônio Santos Abi-Eçab era do curso de filosofia. Acreditou-se que os dois teriam sofrido um acidente de carro no Rio de Janeiro, em 8 de novembro de 1968. Só em 2001, durante reportagem do jornalista Caco Barcellos, o ex-soldado Valdemar Martins de Oliveira confirmou que eles haviam sido presos, torturados e assassinados, e a história do acidente forjada para encobrir o crime.

O mesmo aconteceu com Isis Dias de Oliveira, de ciências sociais, desaparecida desde 1972. Em 1979, um general admitiu à Folha que Ísis estava entre 12 presos políticos desaparecidos que haviam sido mortos. Sua ficha no Dops a descrevia como morta, mas os relatórios da Marinha e do Exército diziam que ela era foragida. Em 2010, sua mãe morreu sem saber o que aconteceu com ela. O centro acadêmico do curso foi renomeado em sua homenagem.

Jane Vanini e Maria Regina Marcondes Pinto, também de ciências sociais, foram perseguidas e exiladas pelo Exército brasileiro, mas acabaram assassinadas pelos regimes chileno e argentino, respectivamente.

Frei Tito

Entre os homenageados está o frei Tito de Alencar Lima, da Ordem dos Dominicanos. Ele começou o curso de ciências sociais em 1969, mas deixou os estudos após ser preso, acusado de ligação com a ALN (Ação Libertadora Nacional).

Torturado pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, ele foi banido do Brasil em 1971 na troca de presos políticos pela libertação do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, sequestrado por guerrilheiros.

Em 1974, frei Tito cometeu suicídio na França, no convento dominicano de Sainte-Marie de la Tourette. As cinzas dele foram trazidas ao Brasil e enterradas em Fortaleza, a cidade em que nasceu. O religioso recebeu uma homenagem litúrgica em São Paulo, com a presença de dom Paulo Evaristo Arns.

Além da Pró-Reitoria de Inclusão, o projeto é realizado por meio de parceria entre o coletivo Vermelhecer e o gabinete da vereadora Luna Zarattini (PT), ex-aluna da USP.

“Essa ação significa dizer que a USP tem uma característica de não se ocultar diante das injustiças, da falta de democracia e de justiça social, além de compreender o que são os direitos humanos”, diz Paulo Martins, professor e diretor da FFLCH.

DIEGO ALEJANDRO E CRISTINA CAMARGO / Folhapress

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