LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) – O Brasil foi uma das poucas nações citadas no plano de governo do Partido Trabalhista britânico, o vencedor das eleições legislativas do Reino Unido realizadas no início do mês.
No documento, o país é descrito como um país “na vanguarda da crise climática” e como possível aliado estratégico na aliança pela energia limpa que os britânicos querem formar.
Em entrevista à Folha, o ex-ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota, o embaixador do Brasil em Londres, conta que foi avisado da referência no documento por um integrante do alto escalão da legenda do novo premiê Keir Starmer, como uma sinalização da vontade do governo britânico de estreitar relações com Brasília.
“A pessoa, cujo nome não posso revelar, me disse: ‘Isso foi objeto de deliberação interna do partido, e gostaria de transmitir em primeira mão que o Brasil é citado nominalmente’, o que ele considerava um fato promissor para a relação bilateral”, afirma.
Patriota lembra que há afinidade histórica entre o brasileiro Partido dos Trabalhadores, o PT, e o Partido Trabalhista britânico. Seus dirigentes mantiveram contato ao longo dos anos, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é amigo do ex-primeiro-ministro esquerdista Gordon Brown, com quem esteve na Assembleia-Geral da ONU em dezembro de 2023.
Na ocasião, o petista também conheceu Keir Starmer, então líder trabalhista e, agora, primeiro-ministro britânico. “A forte liderança do presidente Lula em questões climáticas é um exemplo a ser seguido por todos nós”, escreveu à época Starmer, apontado como principal responsável pela primeira vitória de seu partido no Parlamento em 14 anos, em sua conta no X.
Presidente Lula cumprimenta Keir Starmer em dezembro de 2023, durante a COP em Dubai; britânico é o atual premiê do Reino Unido Ricardo Stuckert/Divulgação/Presidência da República Dois homens de terno e gravata apertam as mãos em frente a um painel azul com o logotipo das Nações Unidas e o texto ‘United Nations Climate Change’ e ‘UAE’.
Patriota afirma que há planos para a realização de um encontro bilateral entre Lula e Starmer durante a cúpula do G20 –o Brasil ocupa a presidência temporária do fórum e sediará o seu encontro no Rio de Janeiro em novembro. De acordo com o diplomata, é possível que após a reunião os dois líderes anunciem iniciativas conjuntas entre Brasília e Londres.
Se a parceria se mostra promissora na agenda sustentável, ela também aparece em sua contraface, em razão do interesse de ambos os Estados na continuidade da exploração do petróleo.
“O Reino Unido busca se colocar como líder em matéria de sustentabilidade ao mesmo tempo em que desenvolveu uma indústria significativa de petróleo e gás no mar. Então, existe essa semelhança com o Brasil. Há uma conversa muito interessante entre os países, que possuem experiências comparáveis e uma capacidade de dialogar de uma maneira não superficial”, diz o embaixador.
Não à toa, alguns dos grandes investidores do Reino Unido no Brasil são do setor de óleo e gás. É o caso da Shell, que tem interesses na polêmica autorização da exploração na margem equatorial, barrada pelo Ibama e defendida por alas do governo brasileiro –o próprio presidente Lula já deu declarações nesse sentido.
O presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, também é a favor da exploração. A petroleira tem hoje oito blocos na região.
Em 2025, o Brasil estará à frente da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém (PA). No mesmo ano, celebram-se os 200 anos do estabelecimento das relações bilaterais entre Reino Unido e Brasil. “Tudo isso é parte do calendário e vai estimular uma interlocução de celebração, mas também de novos objetivos no diálogo político, de comércio, defesa, tecnologia e cooperação acadêmica”, afirma Patriota.
O embaixador acrescenta que o Brasil ainda quer influenciar os britânicos a terem uma posição mais assertiva sobre o conflito Israel-Gaza. Ele menciona análises na imprensa britânica que disseram que, apesar de vitoriosos, os trabalhistas perderam um percentual de votos junto à população islâmica porque não teriam não questionado o suficiente “certos comportamentos de Israel”.
Patriota pondera, no entanto, que, tão logo empossado, Starmer reiterou seu compromisso com a chamada solução de dois Estados, que prevê a criação um Estado-nação da Palestina. “Ou seja, a distância entre as posições brasileiras e britânicas já diminuiu dois dias depois de o novo governo assumir o poder. Isso abre perspectivas de coordenação mais estreita em relação aos grandes temas de repercussão internacional.”
Na sua primeira conferência de imprensa na rua onde fica a sede do governo, Downing Street, em Londres, Starmer fez questão de anunciar que o controverso plano de enviar para Ruanda requerentes de asilo que entraram em território britânico irregularmente estava “morto e enterrado”.
A medida não atingiria brasileiros que migram ilegalmente para o Reino Unido. Mas, para Patriota, trata-se de uma sinalização de que o novo governo tratará a questão da imigração de forma distinta dos conservadores.
“Tudo isso abre um campo de cooperação e conversa, inclusive na área de direitos humanos, bem mais promissor do que com o governo anterior que, embora democrático, não se revelou especialmente respeitoso com o direito internacional na área migratória”, conclui o embaixador.
VANDSON LIMA / Folhapress