Vitória da extrema direita na Holanda assusta Europa, mas economia impõe limites

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A surpreendente vitória da extrema direita na eleição parlamentar da Holanda gerou uma onda de alerta entre os defensores do projeto europeu, além de celebrações entusiasmadas entre os aliados iliberais do PVV (Partido pela Liberdade) de Geert Wilders.

Ambas as reações, enquanto naturais, deverão ser cotejadas com a realidade econômica do Reino dos Países Baixos, país que tem o quarto maior PIB (Produto Interno Bruto) per capita entre os 27 integrantes da UE (União Europeia).

Para tal, depende de comércio, e 80% dele é feito dentro do bloco europeu. Como a traumática experiência do brexit mostrou ao Reino Unido, além de difícil, retirar as amarras da UE tem implicações sobre o acesso ao mercado de 450 milhões de habitantes sob auspícios de Bruxelas.

Desta forma, o cerne da campanha de Wilders para virar premiê, o nexit (corruptela de Nederlands, nome holandês do país, e exit, saída em inglês), pode acabar sendo mais um ativo eleitoral do que algo exequível em sua totalidade. O que não significa que o político, se conseguir formar um governo, não irá buscar reduzir a carga que a Holanda carrega.

O país é o que mais contribui para instituições europeias por habitante, cerca de EUR 285 (R$ 1.500) anuais. Ele dá mais do que recebe de volta, com um déficit de EUR 5 bilhões (R$ 16 bilhões) na relação todo ano, segundo a Corte de Auditoria da Holanda.

Isso sustenta essa perna do discurso de Wilders, uma figurinha carimbada da política local há décadas, que adernou para um radicalismo de fazer corar até seus colegas mais famosos da extrema-direita europeia, como Marine Le Pen (França), o premiê Viktor Orbán (Hungria) e o partido Alternativa para a Alemanha.

Com efeito, esses três atores foram os primeiros a congratular o holandês. Com a vitória de Javier Milei na disputa pela Presidência argentina e a forte posição de Donald Trump no pleito de 2024 dos EUA, por óbvio já há quem fale em uma nova onda populista em escala global.

São casos distintos, até porque a realidade é muito mais matizada. Além da questão econômica, na qual os cidadãos holandeses veem a UE como um dreno e tendem a ignorar seus benefícios evidentes, o fenômeno da imigração é presente em todo debate.

Aqui, Wilders fez explodir suas ideias radicais, sugerindo o fechamento de mesquitas e o banimento do Alcorão, só para moderar crescentemente suas fala. Na quarta (22), no discurso em que celebrava a liderança de seu PVV nas pesquisas de boca de urna, ele sinalizou pragmatismo.

“Eu entendo que há partidos que não querem estar em um governo com uma sigla que quer medidas inconstitucionais”, disse, admitindo candidamente a natureza de seu ideário. “Nós não vamos falar sobre mesquitas, Alcorão e escolas islâmicas”, afirmou.

A mensagem foi para os três partidos com quem pode formar uma coalizão, que necessita de 76 deputados para governar. O PVV deverá ter 35 cadeiras, e com os possíveis aliados o grupo chegaria a 86.

Ainda no campo da racionalidade, a busca por moderação da própria Le Pen e a condução sóbria da premiê Giorgia Meloni, uma herdeira política do pai do fascismo, Benito Mussolini, na Itália, mostra que ao menos contidos os instintos mais primários podem ser.

Isso dito, o alarme entre os políticos da direita racional e do centro à esquerda na Europa é justificado: o eleitorado escolheu essa opção mais radical, explicitando incapacidade da política mais tradicional. O ponto da imigração se sobressai: das 400 mil pessoas que o país de 17,6 milhões recebeu em 2022, 120 mil vieram de fora do continente europeu.

O fantasma da perda de empregos para mão de obra barata, no coração do populismo de Trump, Le Pen e outros, é invocação diária de Wilders. Aqui, até pelo exemplo que vem de países nórdicos antes vistos como altamente receptivos, ele tem mais chances de pôr em prática as restrições que propõe.

Um fator inaudito na equação é o impacto da guerra entre Israel e o Hamas. Ela fez crescer o antissemitismo europeu, mas também a animosidade entre comunidades muçulmanas marginalizadas no bloco e o temor de terrorismo. É algo a ser aferido o impacto do eventual preconceito de eleitores, já que muitos dos imigrantes são islâmicos, em seu apoio aos radicais.

Outro motivo de preocupação para os que esposam as ideias pan-europeias é a disposição de Wilders de cessar o apoio militar à Ucrânia em sua guerra contra a Rússia. Nisso, repete o que Hungria e Polônia, que poderá ter um governo em direção oposta, e a Eslováquia sob nova gestão já disseram.

Não se trata tanto de apoiar a Rússia, vista como ameaça, mas na prática equivaler a ajuda a Kiev ao que consideram desperdício com a Europa e, no limite, apoio a imigrantes –os ucranianos, ora heróis na visão ocidental, sempre foram tratados como cidadãos de segunda classe no continente.

A coisa fica séria porque, nas contas do Instituto para Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a Holanda figura como oitavo maior doador à Ucrânia em porcentagem do PIB. E é o país com a maior frota de caças F-16 colocada à disposição de Kiev. Amsterdã iria fornecer boa parte de seus 42 caças, que estão sendo substituídos pelo novo F-35, a partir de abril de 2024. Isso agora fica em suspenso com Wilders.

Tudo isso estará na mesa nas próximas semanas, quando Wilders tentará montar seu gabinete. Nem sempre o vencedor leva no país: em 1982, os trabalhistas tiveram mais votos, mas a direita governou.

IGOR GIELOW / Folhapress

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