Vitória de Ali representa realização do sonho impossível, diz jornalista que cobriu luta

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESSS) – Jerry Izenberg, 94, jornalista de extensa carreira, que cobriu ao lado do ringue diversas lutas de Muhammad Ali, inclusive a “Rumble in the Jungle”, explica sua mística.

Em entrevista à reportagem, ele argumenta que o público se identificou com o azarão Ali, que desafiou todas possibilidades ao buscar materializar o sonho impossível.

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PERGUNTA – Qual a razão da popularidade da “Rumble in the Jungle”?

JERRY IZENBERG – A trilogia entre Ali e Joe Frazier dividira diametralmente a América. Mas, agora, as atenções se voltavam a um azarão na proporção de 10 para 1 [Ali], e sua vitória representaria para muitos a materialização do sonho impossível. Esse fator, a localização exótica, o contexto intrigante, a surpreendente conclusão, definiram seu lugar na história. Sua aura aumenta ano após ano no subconsciente coletivo na proporção direta em que o legado de Ali foi de um “diferentão” para o de um herói. O próprio Ali percebeu isso.

P – A “Rumble in the Jungle” foi a melhor luta da história?

JI – A terceira luta de Ali com Frazier [em 1975] foi a melhor luta que assisti em qualquer categoria de peso. Eles exigiram o melhor um do outro. Foi uma obra-prima de ambos, que acompanhei ao lado do ringue em Manila, e reportei: “Eles não se enfrentaram na noite passada pelo título do Conselho Mundial de Boxe, ou mesmo pelo campeonato do planeta Terra. Eles lutaram pelo campeonato um do outro, e para mim, o vencedor não foi, e jamais será definido”.

P – Por que, então, a “Rumble in the Jungle” é sempre citada como uma das maiores lutas da história?

JI – Tecnicamente, não foi um grande combate. O contexto, o cenário, o grande interesse do público a tornaram uma grande luta.

P – Então, para você, a “Rumble in the Jungle” não foi a melhor luta de todos os tempos?

JI – Não foi a maior luta de todos os tempos porque essa noção muda, se altera de acordo com cada era, da mesma forma que questões políticas envolvendo atletas mudam com cada período da história.

Por que lutas de pesados como Mike Tyson, Evander Holyfield ou Lennox Lewis não atingiram o mesmo status?

Combates de campeões como Tyson, Holyfield, Lewis etc. falharam em alcançar o status e a longevidade da “Rumble in the Jungle” porque seus combates não contaram com um pano de fundo político e histórico como Schmeling-Louis 1 e 2 ou Jack Johnson-Jess Willard [quando Johnson se tornou o primeiro campeão pesado negro].

P – Você crê que a luta feriu a imagem de Foreman?

JI – Sim, a “Rumble in the Jungle” feriu a imagem de Foreman, que foi visto como um vilão, um perdedor. Mas, para mim, seu retorno [em 1987] e a reconquista do título mundial deram a ele o crédito que ele merecia. Foi durante aquele período que realmente aprendeu a lutar. Quando se tornou o mais velho campeão dos pesados, era um lutador diferente, um homem diferente; por isso não acredito que [a segunda parte de sua carreira] tenha tido qualquer efeito no legado da “Rumble in the Jungle”.

P – Você crê que o fato de a filha de Ali, Laila, ter se tornado campeã feminina, as turnês internacionais dele, o fato de ter acendido a pira olímpica em Atlanta-96, ajudaram a manter vivo ou estender o legado da “Rumble in the Jungle”?

JI – Laila Ali não teve impacto algum na “Rumble in the Jungle” ou em Ali. Ela não era tão boa. Ali acender a pira, as turnês mundiais, sim, ajudaram a rejuvenescer a memória da luta. A cerimônia da pira olímpica me emociona porque, na manhã seguinte, quando conversávamos em seu quarto no hotel, ele me mostrou uma marca de queimadura em seu antebraço causada pela tocha.

P – A percepção da luta irá mudar nos próximos anos?

JI – Não, porque quando as pessoas compreendem seu lugar na história, ela permanece assim.

EDUARDO OHATA / Folhapress

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