RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Ao som do instrumental de Aquarela do Brasil, o locutor anunciou: “Estádio Luso-Brasileiro, Campeonato Brasileiro 2023. Jogo: Vasco da Gama versus Cuiabá”. Naquele momento, provavelmente ele era a pessoa mais animada no local.
O contexto antes das 21h de segunda-feira (26) era de um anticlímax danado. As arquibancadas estavam vazias porque o Vasco fora punido em duas esferas. Na Justiça Desportiva, perdeu o direito de ter torcedores. Na comum, ficou sem poder usar São Januário para cumprir a ordem de portões fechados em decorrência da confusão após a derrota para o Goiás.
O jogo foi parar na Ilha do Governador, estádio “raiz”, que trouxe à elite do Brasileiro ares de Campeonato Carioca. O vazio ainda remeteu a um passado recente que não deixou saudades de jogos sem público em decorrência da pandemia.
Esportivamente, já não haveria motivo para festa pré-jogo. O Vasco vinha de dez rodadas sem vencer no campeonato, amargando a penúltima posição e sem técnico, já que Maurício Barbieri foi demitido no jogo anterior. Só por isso, a tensão já estaria no ar. O conjunto da obra trouxe um ar melancólico, embora o desfecho tenha sido de comemoração vascaína, pela vitória por 1 a 0.
CASA PORTUGUESA
O estádio Luso-Brasileiro foi escolhido por não ter alto custo operacional, evitando ainda uma viagem a Volta Redonda. A casa da Portuguesa-RJ já foi por algumas vezes um point badalado no Brasileiro neste século. Em 2005, foi Arena Petrobras e abrigou o Flamengo. Em 2016, ganhou uma repaginada alvinegra e a alcunha de Arena Botafogo. No ano seguinte, uma nova turbinada para ser a Ilha do Urubu, outra vez com uma cessão ao Flamengo.
Daquele contexto que durou até o fim de 2017, praticamente nada restou. As áreas atrás dos gols, onde arquibancadas móveis foram instaladas em versões anteriores do Luso-Brasileiro, viraram campos de futebol. À direita das cabines de TV, dois soçaites. À esquerda, um de grama natural, mas que não vem sendo usado. Os ônibus dos dois times entraram de ré, já que não havia espaço para manobrá-los na parte interna.
No lado oposto às arquibancadas, pilhas de vigas e material de concreto que na Rio-2016 formavam a Arena do Futuro, no Parque Olímpico. O material foi cedido pela Prefeitura do Rio à Portuguesa para que o clube amplie a capacidade do estádio para 16 mil pessoas.
Atualmente, o estádio pode receber cerca de 5 mil. Mas esse número não fez a menor diferença para o Vasco e Cuiabá. Os assentos usados foram do camarote e das cabines de imprensa longe de serem modernos. Além de membros da diretoria dos dois times envolvidos, jogadores recém-contratados pelo Vasco, como Serginho e Maicon, compuseram o público presente no jogo sem ingressos. No caminho até o local designado, Abel Braga atendeu a um pedido de foto feito por um guarda municipal.
O som ambiente veio de dentro do campo e das arquibancadas sobretudo reclamações direcionadas à arbitragem. Enquanto a transmissão ganha elementos diferentes, como a captação mais nítida das instruções ou protestos dos técnicos, a falta de torcida permite decifrar melhor o comportamento dos cartolas.
Quando o técnico português António Oliveira foi expulso por reclamação, deu para ouvir o diretor de futebol do Vasco, Paulo Bracks, gritando: “Respeito, p…”
GOL SOLITÁRIO BASTA
Com a bola rolando, o que Vasco e Cuiabá apresentaram também pareceu pouco com um jogo da elite. Erros de passe, poucas chances claras e tensão.
Era um confronto direto entre dois times envolvidos na luta contra o rebaixamento. Apesar do contexto, o atacante Deyverson, do Cuiabá, foi para o intervalo vestindo a camisa do Vasco. Ele é torcedor do clube e tem como troféu o gol que fez na final da Libertadores 2021, contra o Flamengo, que deu o título continental ao Palmeiras.
Mas Deyverson não comemorou na Ilha. A noite foi do Vasco, contrariando o desfecho de dez partidas anteriores. Jair cobrou com perfeição a penalidade sofrida por Figueiredo e resolveu o jogo.
A saída de campo apresentou mais elementos “raiz”. No caminho até o vestiário, os jogadores do Vasco foram abordados por alguns rapazes que estavam lá e tiraram fotos, tendo como fundo uma escadaria de concreto, um barranco e uma pilha de estruturas de metal. Para ouvir o técnico vencedor, o interino William Batista, que fez o primeiro jogo pelo profissional do Vasco, uma coletiva à beira do gramado.
“Eu nunca vou dizer que não ter a torcida do Vasco do lado é ruim. É ruim para caramba não ter a torcida. Ter a torcida do Vasco do lado sempre vai ser muito melhor. Eu queria ter feito a minha estreia com São Januário lotado. Não foi possível, mas acho que a gente, em energia, em espírito, todos estavam aqui. É um sonho”, disse William Batista.
Na próxima rodada, o Vasco não terá torcida novamente se a decisão do STJD se mantiver. Mas será visitante no clássico contra o Botafogo, domingo. O jogo seguinte como mandante é no dia 8, contra o Cruzeiro. Se nada mudar nas esferas jurídicas até lá, o cenário na Ilha do Governador pode se repetir. A diferença é que a série de dez derrotas seguidas ficou para trás.
IGOR SIQUEIRA / Folhapress