FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – “É meio saudosista”, diz Vitor Ramiro, 20, dono de uma coleção de mais de 50 discos de vinil. Com um ritual meticuloso, que começa na leitura do encarte e termina na apreciação atenta do álbum, o estudante busca, além de escutar música, preservar a saúde mental dos efeitos da digitalização da vida.
“Dificilmente vou ficar sentado, colocar o fone e prestar atenção em alguma playlist de streaming”, conta, que acha que tudo que é oferecido por algoritmo nas plataformas digitais gera mais ansiedade. “Rolamos o dedo na tela o tempo todo, tendo experiências e reações diferentes dentro de alguns segundos.”
O estudante, que também faz fotografias analógicas, é parte de uma tendência que busca equilíbrio entre tecnologias novas e antigas. De 2022 para 2023, a venda de discos de vinil no país alcançou R$ 11 milhões (+136,2%), segundo a Pró-Música Brasil (Produtores Fonográficos Associados).
Cerca de 60% dos brasileiros passaram tempo excessivo em telas no ano passado, com um salto na faixa de 18 a 24 anos (76%) e 25 a 34 (71%), segundo a pesquisa Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), realizado pela UFPEL (Universidade Federal de Pelotas) e pela associação de saúde pública Vital Strategies.
Para o psiquiatra e professor aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Neury Botega, as redes sociais têm um papel importante em fomentar a ansiedade (nos jovens) porque a rapidez do consumo é alta. “As pessoas ficam muito tempo vendo selfies em lugares paradisíacos. A sensação que causa é de que só elas não se divertem, só elas têm dor psíquica e existencial.”
Lilian Lucas, professora de residência do Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina (IPQ/SC) explica que os celulares não causam transtornos mentais, mas os potencializam em pessoas com predisposição, embora Botega, da Unicamp, reforce que o uso excessivo das telas faz mal mesmo a quem não tem tendência.
É o caso de Yasmin Wolff, 22, estudante de arquitetura que percebeu que o excesso de informação das redes sociais a deixava distraída e ansiosa. No carnaval, comprou uma câmera da Sony modelo Cybershot (sem conexão à internet). “Com a câmera, não tem esse negócio de instantaneidade”, diz, que passou a se conectar mais com as amigas também nas festas.
Anna King, professora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) diferencia o uso excessivo de tecnologias do vício em telas, que seria uma má educação que pode ser combatida com regras, no caso do primeiro, e uma dependência patológica, no segundo. “O viciado geralmente tem um transtorno mental associado à ansiedade, depressão ou compulsão, e precisa de tratamento”, diz a médica, lembrando que não há uma fórmula única para achar o equilíbrio. “Cada pessoa deve usar uma estratégia para determinar o que é melhor para si no dia a dia.”
Eduardo Fernandes, 24, percebeu que era um usuário “cronicamente online” das redes sociais, com dificuldades de se desconectar, fato que estava afetando a sua memória. O estudante de cinema passou a colecionar DVDs como um hobby, mas viu que a experiência o fez se concentrar mais nos filmes que via. “Às vezes, quando você está vendo no computador ou no celular, para para responder alguma coisa e perde a concentração”, diz.
Lucas, do IPQ/SC, costuma receitar esse equilíbrio entre tecnologias digitais e analógicas para seus pacientes, especialmente os mais jovens. Substituir o alarme do celular por um despertador analógico é um ponto de partida, além de desaconcelhar o uso do celular nas refeições. “Alguns lugares deveriam ser livres de tecnologia. Um deles é o quarto, o outro é o banheiro”, afirma.
André Aguiar, 22, foi diagnosticado com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) aos 11 anos de idade, mas após um término de relacionamento no último ano passou a se sentir irritado, tenso, cansado e com falta de ar, e as redes sociais intensificaram os sintomas. “No telefone, fotos que afetavam minha autoestima eram gatilhos”, conta.
Após perceber isso, passou por um processo de reeducação e hoje considera ter um relacionamento “pacificado” com as tecnologias digitais, mas primeiro se isolou socialmente.
“Desenvolvi crise de pânico. Se eu saísse, era porque realmente precisava. Para levantar meu astral, dava um jeito de comprar um disco”, conta ele, que viu sua coleção de vinis crescer no período. Nessas compras, o jovem era obrigado a se relacionar com pessoas.
A vida analógica pode trazer mais tranquilidade e uma forma de relacionamento com os outros mais saudável, diz o psiquiatra da Unicamp. “Vamos ficar um pouquinho analógicos de novo”, diz.
KALIL DE OLIVEIRA / Folhapress