SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Apesar de Dias Toffoli (STF) ter dito que adotou um “caminho do meio” em seu voto sobre o Marco Civil da Internet, na prática as exceções propostas por ele no julgamento abrem margem para que praticamente qualquer conteúdo nas redes sociais fique de fora da regra geral sugerida pelo próprio ministro.
Isso porque, ao mesmo tempo em que diz adotar como norma geral a necessidade de notificação prévia para que as plataformas sejam responsabilizadas por conteúdo de terceiros, o ministro, entre outros temas, excluiu dessa nova regra geral conteúdos recomendados, moderados ou impulsionados (de forma remunerada ou não) por elas.
Especialistas apontam, contudo, que praticamente tudo que circula nas redes sociais é em alguma medida moderado ou recomendado pelos algoritmos das empresas. Além disso, o ministro não buscou detalhar qual a definição jurídica que adota para esses conceitos.
O julgamento será retomado na quarta-feira (11) com o voto do ministro Luiz Fux, que é relator de uma segunda ação que também trata da responsabilidade das empresas.
Ainda que os votos dos demais ministros tomem caminhos distintos, é possível que o uso de categorias genéricas reapareça com outras formatações. O risco é que, com isso, os debates sobre esses conceitos passem a ser travados nos diferentes tribunais pelo país, já que o que for decidido pela STF nesse caso deverá ser aplicado aos demais casos semelhantes.
No centro do julgamento, está o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que prevê que as redes só podem ser condenadas a pagar indenizações por postagens de seus usuários após descumprimento de ordem judicial.
Aprovado em 2014, esse modelo teve como intuito proteger a liberdade de expressão, ao não incentivar as empresas a removerem conteúdos por receio de processos. A derrubada dessa regra para temas como crimes contra honra é um ponto criticado pela sociedade civil e pelas empresas.
O clima no Supremo é favorável a estabelecer limites às redes, mas a posição de derrubar o artigo 19 na íntegra deve ser alvo de divergência entre os ministros.
Lista **** Como nova regra geral, Toffoli defendeu que as plataformas passem a ser responsabilizadas a partir do momento em que forem notificadas –ampliando assim o escopo do artigo 21 da lei, que trata apenas de conteúdo de nudez não consentida.
“Procurando ser deferente, respeitoso ao Parlamento, eu procuro no próprio Marco Civil da Internet um marco legal para ser a regra geral de soluções dos conflitos que surjam no meio das plataformas”, diz. “Eu procuro o máximo possível não fugir das definições e conceitos da legislação brasileira de 2014.”
Apesar do discurso e de essa mudança da regra geral por completo já ser por si só de grande impacto, o ministro, na verdade, acabou por criar ainda um rol amplo e genérico de categorias que ficam de fora do que seria a nova regra geral.
Conforme a tese proposta pelo ministro, as plataformas respondem pelos danos decorrentes dos conteúdos de seus usuários independentemente de notificação “quando recomendem, impulsionem (de forma remunerada ou não) ou moderem tais conteúdos”.
Em linhas gerais, na lógica do voto do ministro, ao distribuírem o conteúdo com seus algoritmos, por exemplo, as plataformas deixariam de ser apenas intermediárias do conteúdo dos seus usuários, passando a ter uma ação própria também.
“Ele não se debruçou sobre questões centrais da parte decisória dele, por exemplo, o que que está sendo entendido como recomendar? O que está sendo entendido como moderar?”, questiona Paulo Rená da Silva Santarém, que é pesquisador no Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade) e doutorando em direito na UnB (Universidade de Brasília).
“A impressão que a gente tem é que todo o conteúdo de redes sociais circula mediante alguma forma de interferência da plataforma”, afirma, argumentando que moderar pode ser considerado o ato de mostrar os postagens em determinada ordem para cada usuário ao abrir um aplicativo.
Junto aos conteúdos impulsionados, moderados e recomendados, em caso de não remoção de temas que ele classificou como especialmente graves, também caberia responsabilização mesmo sem notificação prévia.
Alguns desses itens estão previstos em leis, como no Código Penal, mas há outros mais amplos como “qualquer espécie de violência” contra a mulher, criança ou pessoa vulnerável e desinformação.
Patricia Peck, advogada especialista em direito digital e que atua para o setor empresarial, avalia que, da forma como Toffoli propôs em seu voto, sairia-se “de um extremo para outro”.
Ela considera que a lógica do Marco Civil precisaria ser revisitada, para lidar melhor com casos que seriam de urgência e gravidade, apesar disso, pondera que a lista de exceções criadas pelo ministro ficou muito ampla.
“Talvez tenha trazido uma solução que é um remédio, mas, se você exagerar na dose, também vai criar um problema”, diz. “Tinha que se concentrar nas situações que são as mais críticas.”
“Vai criar muita confusão, muita desorganização. O voto dele é muito genérico”, diz Flávia Lefèvre, especialista em direito digital e do consumidor.
“Vai parar tudo na Justiça. E os tribunais terão que analisar questões como essas seguindo a lógica da decisão dele, caso ela prevaleça”, diz ela, acrescentando que, dentro das práticas de moderação e recomendação, há muita variação.
Ela, que foi conselheira do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil) na época em que pontos do Marco Civil foram regulamentados, vê a opção pela derrubada do artigo 19 como negativa.
RENATA GALF / Folhapress