Voz do Brasil no Congresso dos EUA, deputada teme efeitos de Trump e deseja Kamala mais ativa

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Washington já se prepara para o risco de um novo 6 de Janeiro caso Donald Trump seja derrotado por Kamala Harris.

“Desculpe, odeio dizer isso, mas a Polícia do Capitólio está começando a pensar sobre os níveis de engajamento após a eleição e se preparando para o próximo 6 de Janeiro”, afirma a deputada Sydney Kamlager-Dove, copresidente da bancada do Brasil no Congresso americano junto com o republicano Lance Gooden. Ambos têm uma relação próxima com a embaixada brasileira.

A democrata foi uma das vozes mais incisivas durante uma audiência articulada por bolsonaristas em um subcomitê da Comissão de Relações Exteriores, em maio, cujo alvo eram supostos ataques à democracia pelo governo Lula. Apesar de o evento ter sido comemorado como uma vitória pelos aliados de Jair Bolsonaro (PL), não houve consequências concretas para a relação entre os países.

Mas, caso Trump seja eleito em novembro, Kamlager-Dove prevê mudanças nas parcerias entre EUA e Brasil em temas como clima, trabalho e Venezuela. “Nós nos comprometemos com o Fundo Amazônia. Biden e Lula assinaram a iniciativa para os trabalhadores. Temos sido parceiros na forma de lidar com a migração e em trabalhar com a Venezuela, obviamente utilizando a relação que Lula tem com [Nicolás] Maduro, uma relação que nós não temos. Vejo essas coisas mudando drasticamente”, afirma.

Outro temor é o efeito sobre o Brasil que uma mudança de tom e uma retórica crescentemente violenta vinda dos EUA pode causar. Para ela, está claro que a extrema direita brasileira se inspira na americana.

Caso o retorno de Trump à Casa Branca se confirme e, junto com ele, mudanças profundas no tratamento de imigrantes, no uso político do Departamento de Justiça e no desvirtuamento da Suprema Corte, ela teme que isso funcione como uma espécie de manual tático para ser replicado no resto do mundo.

Além da fiel legião de apoiadores do republicano, conhecidos pelo acrônimo Maga (“make America great again”), ela também alerta para a ascensão da extrema direita cristã e do que chama de religiosidade perversa.

“Estou profundamente preocupada com o Judiciário e com o que pode acontecer. Estou profundamente preocupada com o tratamento dado aos afrodescendentes e à comunidade LGBTQIA+, com o retrocesso que já está acontecendo no mundo em relação ao acesso ao aborto”, diz.

Kamlager-Dove não prevê, no entanto, mudanças significativas na parceria comercial entre os países e em áreas de cooperação concretas de modo geral.

A visão é semelhante à compartilhada entre diplomatas brasileiros e americanos em Washington, que não esperam um grande impacto de uma eventual eleição de Trump na cooperação econômica entre os países. Por outro lado, há um temor de que o republicano na Casa Branca possa dar respaldo para investidas bolsonaristas contra instituições brasileiras.

A deputada compartilha com Kamala o mesmo berço político, a Califórnia. Questionada sobre o que a atual vice-presidente, se eleita, faria diferente de Biden em relação ao Brasil, diz que espera que ela se envolva mais ativamente com a América Latina.

“Minha esperança é que ela pressione por mais financiamento para o Fundo Amazônia”, afirma. Biden havia prometido que os EUA doariam US$ 500 milhões ao longo de cinco anos, mas, até agora, apenas uma pequena fração desse valor foi repassada —o grosso da operação depende de aval do Congresso.

Kamlager-Dove inclui ainda na sua lista de desejos mais investimentos de agências de desenvolvimento americanas no Brasil e mais cooperações trilaterais envolvendo Brasília e Washington em resposta a problemas de países no Caribe e na América Central, como violência e imigração.

No meio diplomático, tampouco são esperadas grandes mudanças na relação entre os países se Kamala for eleita. A visão é de que haverá continuidade em relação à política externa de Biden, com foco no Oriente Médio, no Leste Europeu e na Ásia.

Questionada sobre o recente embate entre Elon Musk e a Justiça brasileira, a deputada afirma que tem “um profundo respeito pela Primeira Emenda”, que estabelece o direito à liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, que “o Brasil deve ser quem determina o que acontece no Brasil”.

“Elon Musk é um homem problemático. Acho que o X se tornou uma plataforma tóxica administrada por um homem problemático que, de alguma forma, está muito interessado em autoritarismo”, afirma. “Independentemente do que eu penso sobre Elon Musk, é o Brasil quem é responsável por tomar esse tipo de decisão.”

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RAIO-X | SYDNEY KAMLAGER-DOVE, 52

Política progressista, é atualmente deputada pela Califórnia no Congresso dos EUA, em que copreside a bancada do Brasil. Ex-senadora estadual, tem foco em justiça social, saúde pública e reforma do sistema prisional. Membro do Partido Democrata, é conhecida por sua atuação em prol das comunidades marginalizadas e pela defesa de uma agenda ambiental e de direitos civis.

FERNANDA PERRIN / Folhapress

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