‘Wild God’ é retomada de Nick Cave após as trevas da última década

FOLHAPRESS – Nick Cave é um caso raro no mundo pop —prestes a completar 67 anos de idade e 50 de carreira, o cantor e compositor australiano vive o auge da fama, ao mesmo tempo em que faz os discos mais complexos e anticomerciais da carreira.

Ele mesmo diz que abandonou as convenções da canção pop e não tem mais paciência para estruturas tradicionais de verso-refrão-verso, mas, paradoxalmente, quanto mais idiossincrática fica sua música, mais gente compra ingresso. Na última década, Cave tem tocado frequentemente em espaços para até 18 mil pessoas.

Seu disco mais recente, “Wild God”, o 18º com a banda The Bad Seeds, continua a caminhada pessoal e experimental de seu trabalho na última década em discos como “Push the Sky Away” (2013), “Skeleton Tree” (2016) e “Ghosteen” (2019). E o que une esses três álbuns e “Wild God” é a presença cada vez mais forte do produtor e multi-instrumentista australiano Warren Ellis.

Desde “Push the Sky Away”, Cave e Ellis compuseram juntos todas as músicas da banda, em sessões de improvisação e “jams” que chegam a durar um ano a cada disco. Ellis toca uma infinidade de instrumentos —violinos, violas, flauta, teclados— e tem ajudado Cave a levar sua música para um lado cada vez mais atmosférico.

“Push the Sky Away” foi o último disco de Cave que ainda tem músicas com refrão para cantar junto. Desde então, as canções fogem cada vez mais do tradicionalismo pop e lembram trilhas sonoras de filmes.

As letras de Nick Cave também mudaram. Se ele ficou conhecido, desde os anos 1990, como um contador de histórias do submundo e de letras autobiográficas sobre paixões, loucuras, fé e obsessões —na linha de pesos-pesados como Johnny Cash, Kris Kristofferson e Leonard Cohen—, seus textos têm se mostrado cada vez mais abstratos e espirituais.

Eles parecem refletir os acontecimentos dramáticos que marcaram sua vida nos últimos anos, quando perdeu dois filhos, Arthur, de 15 anos, em 2015, e Jethro, de 31 anos, em 2022. “Skeleton Tree” e “Ghosteen” são álbuns marcados pelo fantasma de Arthur e pela dor de sua partida.

Nick Cave levou cinco anos para lançar “Wild God”, período em que gravou um disco solo com Ellis, “Carnage”, e lançou, também com ele, trilhas sonoras de cinebiografias do assassino serial Jeffrey Dahmer, da atriz Marilyn Monroe e da cantora Amy Winehouse.

Em entrevistas recentes, Cave tem falado de “Wild God” como um trabalho marcado pela “esperança”. O tempo longe dos Bad Seeds parece ter feito bem a Cave, e o tom geral do novo LP é bem menos sorumbático do que o sombrio “Ghosteen”.

Mas que ninguém espere de Nick Cave um disco solar e alegre. “Wild God” continua marcado pelos temas que interessam a ele —Deus, fé, perdas, destino— e traz canções tristes, mas esperançosas. O disco tem um marcante clima litúrgico, com corais e orquestra e letras sobre divindades e fantasmas. A voz de Cave, que em outros tempos soava forte e confiante, assumiu nos últimos discos um ar de súplica e pregação religiosa.

Em pelo menos duas das novas canções, o narrador é visitado por fantasmas de pessoas que partiram. Em “Joy”, canta: “Acordei essa amanhã com melancolia/ senti que alguém da minha família havia morrido (…) que fantasma é esse, que surge agitado/ esse menino brilhante/ sentou na minha cama e disse/ todos nós passamos por muita tristeza, agora é tempo de alegria”.

“Long Dark Night” também traz uma visão fantasmagórica que se revela otimista: “Talvez a noite longa e escura esteja chegando ao fim”. Algumas letras citam inspirações de Cave —o compositor Kris Kristofferson aparece em “Frogs”— e outras referenciam canções de discos passados, como “Wild God”, com a citação à “garota de ‘Jubilee Street’”, música do disco “Push the Sky Away”.

Daqui a alguns anos, “Wild God” poderá ser visto como o disco da “retomada” da vida de Cave depois das trevas da última década. Resta saber se o trabalho se sustentará pelos méritos artísticos ou se a relevância do disco será eternamente conectada às circunstâncias pessoais da vida de seu autor.

Porque os LPs clássicos de Nick Cave —”Tender Prey” (1988), “The Boatman’s Call” (1997), “Abbatoir Blues / The Lyre of Orpheus” (2004), “Dig, Lazarus, Dig!!!” (2008) e “Push the Sky Away” (2013)— resistiram maravilhosamente ao tempo.

Wild God

Avaliação Bom

Onde Nas plataformas digitais

Autoria Nick Cave and the Bad Seeds

Gravadora PIAS Recordings

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS