RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Xande de Pilares é acompanhado inicialmente apenas de seu cavaquinho, com a banda e o coro de “deredederê” chegando aos poucos. Com a autoridade de décadas de pagodes falando das dores e glórias do amor, ele canta: “Tudo que eu quero é um acorde perfeito maior/ Com todo mundo podendo brilhar num cântico”.
Vertida em pagode, “Muito Romântico”, lançada por Roberto Carlos em 1977, abre o álbum “Xande Canta Caetano”, que chega às plataformas de streaming nesta sexta-feira (4). A canção, que toca exatamente no poder de comunicação da música popular, dá as primeiras pistas das conexões possíveis entre o baiano de Santo Amaro e o carioca do Morro do Turano, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
“Muito Romântico era a mais certa de estar no disco”, conta Xande, que no dia 19 de agosto faz no Tokio Marine Hall um show de outro trabalho, “Esse Menino Sou Eu”. “É a primeira música de Caetano [Veloso] que eu ouvi e não sabia que era dele. E venho cantando ela, fiz em lives durante a pandemia”.
O disco traz uma seleção de repertório bastante pessoal, que inclui canções menos evidentes de Caetano Veloso, como “O Amor” e “Diamante Verdadeiro”, ao lado de clássicos como “Tigresa”, “Qualquer Coisa” e “Alegria Alegria”. As releituras são muitas vezes surpreendentes, pela interpretação de Xande e sobretudo pelos arranjos de Pretinho da Serrinha.
“Xande canta Caetano” começou a nascer quando, num dos encontros musicais na casa de Paula Lavigne, o baiano ouviu Xande tocar sua “Ela e Eu” e gostou demais. Depois, quando o carioca cantou “José”, poema de Carlos Drummond de Andrade que ganhou melodia de Paulo Diniz, Caetano propôs a ele dirigir um show seu só de voz e cavaquinho.
“Recusei na hora”, lembra Xande, rindo. A ideia morreu, mas não o desejo de fazerem algo juntos de alguma forma Caetano acompanhou as gravações, mas seu papel no álbum se limita ao de compositor.
Passado um tempo, em outras reuniões informais, em conversas que envolveram Paula, Pretinho, Xande, Caetano e o cantor e compositor Mosquito, começou a tomar forma o que viria a ser o disco.
“A ideia era sair do Caetano e trazer o Xande, fazer algo diferente. Eu cantando Sampa, por exemplo, seria chover no molhado”.
Quem ficou com a missão de encontrar os caminhos novos para as releituras foi Pretinho. “Eu ouvia o que ele tinha preparado e procurava interpretar a partir dali”, conta Xande, que acredita que amadureceu como intérprete cantando esse repertório.
“Ouço coisas como Tigresa e tenho orgulho. Nunca gostei muito da minha voz, acho que às vezes grito demais. Mas o disco fez com que eu acreditasse no que dizem as pessoas que elogiam meu canto”.
Xande cruza memórias pessoais ao longo do disco. No fim do sincopado samba-choro “Diamante Verdadeiro”, com violão sete cordas de Rogério Caetano e gaita de Gabriel Grossi, ele fala do Moreira da Silva que ouvia criança.
Misto de samba e maculelê, “Trilhos Urbanos” cruza Santo Amaro ”Lá fiz um dos melhores shows da minha vida”, diz o sambista e os trens da Central, com direito a citação de “Retirantes”, canção de Dorival Caymmi da trilha de “Escrava Isaura”.
“Antes de ir para o estúdio estava vendo a novela, que adoro. Sugeri a inclusão e Pretinho gostou”, lembra Xande, que na faixa aparece tocando banjo, que até então nunca tinha gravado.
“Lua de São Jorge”, que abre com o toque da alvorada de São Jorge e se derrama em samba, toca na devoção de Xande ao santo. “Alegria Alegria”, primeira canção que o carioca ouviu na voz de Caetano, ainda criança, vira um ijexá. “Qualquer Coisa”, em versão bolero com bandolim de Hamilton de Holanda, remete ao episódio em que um professor pediu a ele, aos 13 anos, uma redação sobre a canção e ele escreveu apenas as palavras “qualquer coisa”.
“Luz do Sol” lembra a Xande ele aprendendo a tocá-la em revistinhas de violão. “O Amor”, que no disco tem acordeon de Bebê Kramer, o fascina desde quando a ouviu no rádio nos anos 1980.
“Eu ouço Gal [Costa] todo dia, e essa música é do meu disco preferido dela. Sempre ouvi um samba ali na hora em que ela canta: Ressuscita-me!.”
Em “Gente”, que ganha pegada vigorosa de samba de quadra, Xande intimamente aproxima de si as referências que Caetano faz a Zezé Motta e José Agrippino de Paula.
“Caetano me deu a liberdade de acrescentar nomes, mas eu nunca mudaria uma letra dele. Mas a Zezé que canto é minha Tia Zezé, que mora em Guadalupe, onde Caetano morou na adolescência. E Agrippino vira meu Tio Agripino, que me botava pra ouvir discos no fim de semana.”
Xande conta que, quando terminou de gravar a voz de “Gente”, viu que Caetano e Paula estavam aos prantos. “Ele chorava igual criança”, conta.
O desejo do artista agora é emocionar os jurados dos prêmios de música. “Já fui indicado, mas sempre bate na trave. Isso é algo que não tenho e quero ter. Uma estatueta, umazinha só”, diz o artista, que já conquistou a parte de pôr a massa para brilhar num cântico sobre um acorde perfeito maior.
XANDE CANTA CAETANO
Quando Lançamento em 4/8 nas plataformas de streaming
Autoria Xande de Pilares
Gravadora Gold Records
LEONARDO LICHOTE / Folhapress