Agência Estado
O presidente Jair Bolsonaro decidiu demitir Joaquim Silva e Luna da presidência da Petrobras. Sob fritura há semanas desde a explosão de preços dos combustíveis com a guerra na Ucrânia, o general da reserva do Exército, estava há apenas um ano no cargo. Será substituído pelo diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.
A escolha de Pires foi interpretada com uma sinalização pró-mercado financeiro, cujos investidores cobram a manutenção da política de reajuste de preços da Petrobras, que segue a tendência dos preços do mercado internacional.
O nome foi costurado pelo próprio ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que trabalha pela adoção de um subsídio temporário do governo para diminuir a alta de preços dos combustíveis, considerada o “calcanhar de Aquiles” do presidente Jair Bolsonaro nas eleições deste ano. Com a entrada de Pires, a proposta de subsídio, que é rejeitada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, deve ganhar fôlego.
O presidente Bolsonaro tem sido apontado como culpado pela população pelos altos preços e gasolina e ensaiou um movimento, após a disparada de preços do petróleo, de intervenção de preços da Petrobras. Por isso, ainda há desconfiança de que Bolsonaro vá continuar pressionando.
Segundo apurou o Estadão, a diretoria atual da empresa gosta das posições de Pires. A transição deve ser suave. Nesse primeiro momento, a expectativa é que não haja tantas mudanças como ocorreu, no ano passado, na troca de Roberto Castello Branco por Silva e Luna. A leitura inicial é de que ele vai continuar com a política de preços de paridade internacional e que o presidente com a troca “fez mais um showzinho para o eleitorado” com os ataques à ação da estatal de olho nas eleições.
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, que foi indicado para a presidência do conselho administrativo da empresa, era também cotado, mas foi preterido por resistências ao seu nome. Landim era visto por integrantes da empresa da indústria de óleo e gás como alguém que estaria disposto a “fazer tudo”, inclusive aceitar uma intervenção do governo nos preços, como defende integrantes do governo nos bastidores.
Pires, que também é articulista do Estadão, tem defendido o subsídio e se manifestado contrário ao projeto 1474, que trata de preços de combustíveis e prevê fundo de amortização dos preços, já votado no Senado e em tramitação agora na Câmara. Mas permanece certo ceticismo de que ele conseguirá segurar a pressão do presidente para intervir nos preços em ano eleitoral .
A confirmação da saída de Silva e Luna, que já era dada como certa há pelo menos 10 dias em Brasília, como mostrou o Estadão no dia 17 de março, coincidiu com a decisão tomada no mesmo dia em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, entregou o cargo ao presidente.
Ribeiro é investigado por suspeita de envolvimento com pastores que cobravam propina para intermediar recursos para escolas, como revelou o Estadão. Essa tentativa de tirar o foco de uma notícia negativa é uma estratégia já usada pelo presidente Bolsonaro em outros momentos de pressão ao longo dos mais de três anos de mandato na Presidência.
Os nomes de Pires e Landim precisam ser aprovados pela assembleia de acionistas no dia 13 de abril. O mandato do atual presidente da Petrobras vai até março de 2023, mas isso não impede a substituição. Com a queda, Luna e Silva deve deixar de ganhar um salário anual em torno de R$ 2,9 milhões (R$ 223 mil por mês), segundo dados do Ministério da Economia. De acordo com as regras atuais, o presidente da estatal pode receber até 13 salários de bônus caso todas as metas sejam atingidas.
O desconforto do presidente com a alta de preços e a falta de ação atribuída à Petrobras pavimentou a queda de Silva Luna. O general da reserva do Exército foi alçado à presidência da Petrobras em abril do ano passado no lugar de Roberto Castello Branco com a expectativa de aliados de que faria mudanças na política de preços.
Bolsonaro se irritou com com Silva e Luna pelo ‘timing’ no anúncio do mega-aumento dos combustíveis neste mês. A Petrobras pratica a chamada paridade de preços, ou seja, paga pelo produto o preço cobrado no mercado internacional e, por isso, repassa eventuais altas para refinarias, o que leva ao aumento de preços para o consumidor final.
Na quinta-feira, 10, diante do aumento na cotação do petróleo no mercado internacional, reflexo da guerra na Ucrânia, a Petrobras anunciou reajuste de 18,8% para a gasolina e de 24,9% para o diesel.
No dia seguinte, o Congresso aprovou e Bolsonaro sancionou um projeto que faz alterações na tributação sobre os combustíveis para tentar aliviar a alta de preços. Para Bolsonaro, o impacto da aprovação do projeto foi “mitigado” porque a Petrobras fez o anúncio do mega-aumento antes.
“Olha só, eu tenho uma política de não interferir. Sabemos das obrigações legais da Petrobras e, para mim, particularmente falando, é um lucro absurdo que a Petrobras tem num momento atípico no mundo. Então, não é uma questão apenas interna nossa”, disse Bolsonaro, no sábado. “Então, falar que eu estou satisfeito com o reajuste? Não estou satisfeito com o reajuste, mas não vou interferir no mercado”, completou o presidente.
Se confirmada pelo conselho, esta será a segunda vez que Bolsonaro muda o comando da Petrobras. Em fevereiro do ano passado, o presidente demitiu Roberto Castello Branco, também em um momento em que o preço dos combustíveis impactava sua popularidade.
Cronologia
8 de janeiro – Em entrevista ao Estadão, Silva e Luna disse que os preços dos combustíveis não podem ser gerenciados pelo governo. “O que regula o preço é o mercado”, afirmou. “Ainda há pessoas que consideram, por desinformação ou outro motivo, que a Petrobras deva ser responsável pela redução de preço. Ela não tem condições de fazer isso.”
3 de fevereiro – Em evento da a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), Silva e Luna afirmou que a estatal precisava praticar preços de mercado e se comportar como uma empresa privada, até porque não conseguia atender todo o mercado brasileiro de combustíveis com suas refinarias, que operam com ociosidade de cerca de 20%.
7 de março – Com os preços do combustíveis já defasados no mercado interno, Bolsonaro defendeu rever política de preços da Petrobra. “Se repassar tudo, aumento será de 50%”, disse afirmou o presidente em entrevista à Rádio Folha de Roraima. Ações da estatal caem 7% no mesmo dia.
10 de março – A Petrobras anuncia um aumento no preço da gasolina em 18,8% e do gás de cozinha em 16,1%; diesel sobe 24,9%, o que aumenta ainda mais o desgaste de Luna e Silva.
15 de março – Descontente, Bolsonaro era aconselhado pelos principais ministros a manter Silva e Luna à frente da Petrobras para não fazer uma troca “sem efeito algum”. Dias antes, o vice-presidente, Hamilton Mourão, com quem Bolsonaro mantém hoje uma relação distante, disse que Silva e Luna “aguentaria a pressão” e ficaria no cargo.
16 de março – Bolsonaro diz que soube com antecedência de megarreajuste de preços, o que contraria as diretrizes da empresa e sua relação com o mercado.
17 de março – O presidente começa a procurar nomes para substituir Silva e Luna, mas trata de despistar. “Não posso nem vou interferir na Petrobras. No governo do PT, muita coisa errada foi feita na Petrobras”, afirmou o presidente durante o lançamento do Programa Renda e Oportunidade.
21 de março – Em entrevista à Jovem Pan, presidente negou interferência na Petrobras. No mesmo dia, Bolsonaro abandonou uma entrevista coletiva improvisada em frente ao Palácio da Alvorada ao ser questionado se pretende trocar o comando da empresa.
28 de março – Bolsonaro decide demitir Silva e Luna