SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – José Mourinho, 60, tem capacidade de irritar que se espalhou até entre políticos de Portugal. Em época que o termo “viralizar” nem existia, vídeo em que o ex-primeiro ministro do país Pedro Santana Lopes (2004-2005) dava entrevista no estúdio do canal SIC se espalhou pela internet em 2007.
Quando foi interrompido pela apresentadora para mostrar o desembarque do técnico na volta ao país natal, Lopes não ficou feliz.
“José Mourinho é mais importante que qualquer um de nós, e a chegada dele põe o país em delírio”, reagiu, com ironia. “Os problemas de partidos e políticos não interessam nada. Eu só pergunto se é assim que o país anda para a frente. Eu venho aqui e sou interrompido por causa da chegada de um treinador de futebol. Acho que o país está doido.”
Mourinho havia acabado de ser demitido do Chelsea. Dezesseis anos depois, ele continua a irritar.
“Nós não merecemos ser eliminados por um time que não tem interesse no futebol. Não acredito na cara de pau deles de jogar da maneira que jogaram hoje”, reclamou o meia alemão Nadiem Amiri, do Bayer Leverkusen.
O técnico fez a sua Roma ir à Alemanha e sair de lá com a classificação para a final da Liga Europa. Nesta quarta-feira (31), enfrenta o Sevilla em Budapeste –o jogo, às 16h, será exibido pela ESPN e TV Cultura.
Nas semifinais, depois de vitória por 1 a 0 na Itália, os romanos empataram por 0 a 0 na casa do rival. O Bayer teve 72% da posse de bola e fez 23 arremates ao gol. A Roma chutou apenas uma vez. Nos minutos finais, os atletas visitantes cavaram faltas e ficaram no chão por longo períodos para gastar tempo.
No léxico de José Mourinho, isso é “estacionar o ônibus”, expressão que ele cunhou em 2010, quando sua Internazionale eliminou o Barcelona na Champions League.
Com talento para provocar e aborrecer, fez rivais históricos em Arséne Wenger, velho técnico do Arsenal, e Pep Guardiola (Barcelona), que nos tempos de Barcelona o chamou, ironicamente, de “puto amo” (alguém que é superior ou o melhor no que faz).
Após garantir a vaga na decisão continental pela Roma, ele não perdeu a chance de alfinetar o desafeto catalão.
“As únicas equipes que não sofrem são as que têm no banco jogadores que custam 70 milhões de euros. Na última quarta, no Manchester City [atual clube de Guardiola], no segundo tempo entraram jogadores como Foden, Álvarez e Mahrez. Nós perdemos quatro ou cinco jogadores e sofremos para ganhar. Investimos 7 milhões de euros e estamos na final. É extraordinário”, disse.
Ele guardou a melhor comparação para terminar a entrevista.
“É como Jesus Cristo vindo para Roma e andando ao redor do Vaticano.”
O “estacionar o ônibus” de 2010 aconteceu antes do último título de Champions League de Mourinho. Em 2004, ele já havia colocado seu nome na prateleira dos principais treinadores do mercado ao vencer o principal torneio de clubes do planeta com o Porto. Meses depois, ao chegar ao Chelsea, criou a expressão que passou a ser o seu aposto: José Mourinho, “the special one” (o especial).
Na verdade, ele disse que era “um especial”, não “o especial”, mas a última opção é a mais charmosa e acabou prevalecendo.
Tricampeão inglês (todas pelo Chelsea), campeão espanhol (pelo Real Madrid), duas vezes vencedor da liga portuguesa (pelo Porto) e bicampeão italiano (pela Inter), Mourinho passou período em baixa, para alegria dos seus detratores. Foram anos em que estendeu a capacidade de irritar aos seus próprios jogadores. Criou problemas de relacionamento no Chelsea (para onde voltou em 2013), no Manchester United e no Tottenham.
Mesmo antes disso, no Real Madrid, mostrou seu talento para ganhar títulos, montar equipes vencedoras e entrar em conflito.
“Se eu tenho de brigar, eu brigo. Não tenho problemas com isso”, definiu.
Ao enfiar o dedo no olho de Tito Vilanova, então assistente de Guardiola, em um clássico Real x Barcelona, levou isso às últimas consequências.
A Roma parecia ser mais um sinal de decadência da sua carreira. Havia aceitado ir para uma força média na Europa, sem títulos continentais, que não ganhava nada desde 2008. Com orçamento limitado, Mourinho levou a equipe à vitória na Conference League, competição criada pela Uefa (União da Associações Europeias de Futebol) no ano passado.
Agora está na final da Liga Europa com a possibilidade de troféu e classificação para a próxima Champions. Um renascimento tal que o fez entrar na lista de treinadores na mira do endinheirado Paris Saint-Germain.
As notícias sobre a morte profissional de José Mourinho parecem ter sido exageradas.
Será a sexta final europeia do português. Ele venceu as outras cinco.
Ao classificar a Roma, chorou no gramado em Leverkusen. Pouco se importou com as críticas ao estilo de jogo, que viriam em seguida.
Em imagens flagradas pelo documentário “All or Nothing” (tudo ou nada, em inglês), sobre os bastidores do Tottenham, Mourinho dá bronca em seus jogadores porque o time jogou bem, quase sem falhas, mas perdeu por apenas um motivo: a recusa em cometer faltas. Eles tinham de ser mais cascudos, “nojentos”, antes de resumir:
“O futebol é o que é”.
ALEX SABINO / Folhapress