SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Os alunos surdos das escolas municipais de Salvador estão há pouco mais de um mês sem intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) nas salas de aula. Os 37 profissionais que atendiam toda a rede municipal foram removidos, e os 134 alunos com deficiência auditiva matriculados nos ensinos infantil e fundamental estão sem tradutores.
A remoção dos intérpretes, no dia 18 de abril, se deu com o fim do contrato da Secretaria Municipal de Educação com a empresa terceirizada responsável pelo serviço.
Procurada, a pasta afirmou que a contratação temporária de intérpretes de Libras está em trâmite, mas não informou quando os profissionais estarão de fato nas escolas.
Em resposta enviada na terça (23) a um ofício da Defensoria Pública, contudo, a secretaria diz que resolverá a questão em 15 dias. Segundo o órgão, se a reposição não for cumprida, a prefeitura poderá ser acionada na Justiça. À Folha de S.Paulo a gestão municipal já havia informado que teria contratado novos intérpretes até o dia 9 de maio, o que não ocorreu.
“Foi repentino, tanto para as crianças como para os intérpretes. Nem a própria escola foi comunicada. Ela soube porque foi avisada pelos intérpretes de que o contrato tinha sido suspenso”, conta a psicopedagoga Ticiana de Sousa Barbosa, 30, mãe de aluna surda.
Ela descreve a frustração da filha, Thaysa Maria Barbosa de Souza, 9.
“Fala triste, chora porque sente falta, porque quer se comunicar e não a entendem”, diz. Ela conta que precisou reduzir o tempo de permanência da menina na escola após a saída da intérprete de Libras Regiandre Silva, 37, que acompanhava a filha.
Enquanto a situação não se normaliza, parte dos alunos surdos não está indo à escola regularmente, diz Ticiana.
“Está dividido. Algumas crianças estão indo, mas voltando mais cedo, outras só vão duas ou três vezes na semana. E outras não estão indo de jeito nenhum porque não conseguem se comunicar, ficam perdidas e acabam ficando agitadas na sala pois não conseguem entender e interagir.”
Regiandre conta que ela e outros intérpretes desligados foram informados pela secretaria de que migrariam automaticamente de um contrato para outro para que os alunos não ficassem sem os tradutores. “Não foi o que aconteceu”, diz ela.
No dia 24 de abril, data em que se comemora o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais, uma semana após a saída dos intérpretes, Ticiana e outras mães questionaram a prefeitura sobre o fim do contrato. Na ocasião, segundo Regiandre, a resposta recebida foi de que o processo de recontratação estava em andamento e seria concluído até o início de maio.
Sem solução, pais e responsáveis de alunos surdos fizeram uma campanha nas redes sociais para pressionar a prefeitura a resolver o problema, a fim de evitar que os estudantes ficassem sem intérpretes.
Em 2016, a Prefeitura de Salvador foi alvo de decisão judicial que obrigou o município a contratar intérpretes de Libras para as escolas municipais. A ação foi movida pela Defensoria Pública após reclamação dos pais.
“Diversos são os direitos violados [nesta situação]”, diz Cláudia Ferraz, defensora pública à frente do caso. “Convenções internacionais, direitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Brasileira de Inclusão.”
Para a intérprete Regiandré Silva, além do prejuízo pedagógico, as crianças sofrem psicológica e emocionalmente.
“Havia uma rotina, contato com professores, colegas da mesma idade. Como essa pessoa irá dizer ao professor, por exemplo ‘não entendi, repete por favor?’ Sem o tradutor, é impossível.”
MARIANA BRASIL / Folhapress