SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A febre maculosa não é um problema restrito ao Brasil. A doença está presente na África, Ásia, Europa e Oceania. É na América, porém, que se encontra a versão mais letal da enfermidade, provocada pela bactéria Rickettsia rickettsii. Foi ela, inclusive, a causadora de quatro mortes registradas nos últimos dias.
Matias Pablo Juan Szabó, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisador de carrapatos e das doenças por eles transmitidas, explica que algumas bactérias do gênero Rickettsia integram o “grupo da febre maculosa”. Nele estão, por exemplo, a R. rickettsii, presente nas Américas; a R. australis, encontrada na Austrália; e a R. japonica, presente no Japão e na Coreia do Sul.
“Dentro desse grupo, a bactéria mais letal é a que temos nas Américas, em países como Brasil, Estados Unidos, México, Colômbia e Argentina”, diz.
Nos Estados Unidos, a doença é conhecida como Rocky Mountain Spotted Fever (RMSF), febre maculosa das Montanhas Rochosas. O nome, conta Szabó, vem do primeiro local em que a enfermidade foi descrita no país. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC, na sigla em inglês), a RMSF tornou-se mais comum em algumas áreas do Arizona nos últimos anos e, entre 2002 e 2021, foram mais de 500 casos e 28 mortes.
Na Colômbia, a enfermidade ganha o nome de febre de Tobia. Em terras mexicanas, é denominada febre manchada e frequentemente é reportada no norte, na cidade de Mexicali. O clima quente e seco do município, afirma o professor, favorece a proliferação de um carrapato hospedeiro da R. rickettsii.
NOMES DA FEBRE MACULOSA NO MUNDO
Estados Unidos – Febre maculosa das Montanhas Rochosas
México – Febre manchada
Colômbia – Febre de Tobia
Rússia e África – Febre de Astrakhan
Países do Mediterrâneo – Febre de Boutonneuse
Nem todos os casos da doença descritos no continente, porém, estão relacionados à R. rickettsii. Há por aqui casos em decorrência da R. philipii e da R. parkeri, que têm menor taxa de letalidade e explicam por que em alguns pacientes os sintomas são mais brandos.
Szabó lembra que, no Brasil, temos três perfis de febre maculosa -dois por R. rickettsii e um por R. parkeri- e esclarece que nem sempre a bactéria causadora é reportada corretamente porque o teste sorológico empregado não é específico para cada espécie. “Por isso, quando falamos em letalidade no Brasil, muitas vezes ela está diluída pelos casos por R. parkeri”.
Também entra na conta a rapidez do diagnóstico e a administração do antibiótico correto, aspectos fundamentais para evitar a morte por R. rickettsii.
OS HOSPEDEIROS SÃO IGUAIS?
Assim como as bactérias, os carrapatos e os hospedeiros relacionados à febre maculosa ao redor do mundo são diferentes -e aqui, novamente, alguns países da América têm mais problemas.
Locais onde a capivara participa do ciclo dos carrapatos lidam com a multiplicação da doença. Szabó explica: o carrapato funciona como um reservatório da bactéria e a capivara, como um hospedeiro amplificador. Isso ocorre porque, ao contrário de animais como o cavalo e o cachorro, a capivara picada por um carrapato contaminado passa a bactéria adiante em futuras picadas. “A capivara aumenta a taxa de infecção na população de carrapatos”.
O professor ressalta, contudo, que as taxas de contaminação em capivaras e carrapatos é muito baixa e restrita a regiões específicas, como Campinas. “A grande maioria dos locais com carrapatos capivaras não tem febre maculosa”, enfatiza.
A concentração reduzida, para o professor, é um dos motivos pelos quais a doença não desperta interesse na indústria farmacêutica e não mobiliza mais ações dos gestores públicos.
Há ainda outra complicação: o status que as capivaras adquiriam nos últimos anos. “É comum cidades pequenas terem uma área verde, com capivaras, em que as pessoas se exercitam. O mesmo ocorre em condomínios horizontais, chácaras”, diz Szabó.
“Se uma onça aparece na cidade, ninguém sossega até ela ser retirada. Com a capivara não é assim, ela é carismática e muitos associam sua presença em parques e praças como uma forma de conexão com a natureza.”
STEFHANIE PIOVEZAN / Folhapress