WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O Instagram reativou no último dia 4 a conta de um pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos que estava suspensa desde 2021. Um político cuja campanha está calcada no argumento de que “eles estão tentando te enganar” –sejam “eles” o governo, a mídia ou grandes corporações.
Não é Donald Trump, favorito a concorrer pelo Partido Republicano, que teve seu acesso ao Instagram restabelecido em fevereiro. Mas um candidato democrata com o poderoso sobrenome Kennedy.
O principal adversário do atual presidente Joe Biden pela indicação democrata é Robert F. Kennedy Jr., 69, sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy (1917-1963) e filho do ex-secretário de Justiça e senador Robert Kennedy, assassinado em 1968. Ativista antivacina, ele estava suspenso do Instagram havia quase dois anos por “compartilhar repetidamente afirmações desmentidas sobre o coronavírus ou vacinas”.
Em agosto, Instagram e Facebook, ambos controlados pela Meta, suspenderam também as contas da ONG que ele preside, a Children’s Health Defense, uma das maiores entidades da luta antivacina do país.
A organização defende sem provas que os imunizantes provocavam danos aos órgãos das crianças e à saúde de mulheres grávidas. Em alegações falsas, afirmam ainda que fármacos contra o tétano provocam infertilidade e que as doses contra a poliomielite aumentam o número de casos da doença.
Em 2021, Kennedy Jr. chegou a publicar um livro, que entrou nas listas dos mais vendidos do país, em que acusa Bill Gates, cofundador da Microsoft e ativista pró-vacina, e Anthony Fauci, principal consultor do governo durante a pandemia da Covid-19, de conluio com a indústria farmacêutica para lucrar com os imunizantes. Os perfis da ONG permanecem suspensos, mas a conta pessoal do político foi restabelecida sob a justificativa de que agora ele agora é pré-candidato à Presidência.
As chances de ele receber a indicação democrata para a eleição do ano que vem são mínimas, uma vez que a máquina estará à disposição de Biden e não haverá nem sequer debate entre pré-candidatos do partido –além do sobrinho de RFK Jr., concorre também a escritora de autoajuda Marianne Williamson.
Mas o ativista antivacina tem dado trabalho ao angariar apoio de empresários influentes e influencers, pontuando mais de dois dígitos nas pesquisas –levantamento da CNN americana publicado no final de maio o colocou com 20% das intenções de voto entre os democratas, contra 60% de Biden.
Um dos primeiros grandes apoios que recebeu foi de Jack Dorsey, fundador do Twitter, que no início do mês compartilhou uma entrevista em que RFK Jr. afirmava que poderia derrotar Trump e Ron DeSantis se fosse o candidato democrata nas urnas. “Ele pode e vai [vencê-los]”, disse o empresário.
Depois, os investidores bilionários Chamath Palihapitiya e David Sacks, segundo o portal Axios, fariam um evento de arrecadação de recursos na Califórnia para Kennedy Jr.. No começo do mês, eles entrevistaram o democrata no popular podcast All-in, com meio milhão de visualizações no YouTube.
Quem também o ouviu foi o bilionário Elon Musk, no Spaces, plataforma de áudio do Twitter. Na conversa, disse que as farmacêuticas são responsáveis pelo aumento de ataques a tiros, instou que os EUA entendam a Guerra da Ucrânia da perspectiva russa e pediu que deixem “Taiwan e China se acertarem”.
Para o professor da Universidade de Boston Thomas Walen, além do sobrenome, pesa o fato de que o pré-candidato é filho de Robert Kennedy, “uma figura adorada nos círculos democratas”. “Ele representa uma visão trumpista do conspiracionismo que invadiu a sociedade e agora invade o Partido Democrata”, diz.
Para o professor, a popularidade alta se deve à distância da eleição, e, quanto mais os eleitores ouvirem suas opiniões, mais terão receio. “Mas também existe uma crítica razoável, em relação à idade de Biden, e muitos procuram uma alternativa mais jovem”, afirma. A ameaça maior seria se Kennedy Jr., ao perder a indicação, resolvesse concorrer como independente, diz Walen, “provocando um efeito Ralph Nader.”
Nader foi o candidato do Partido Verde na eleição de 2000, acusado de ter custado a vitória de Al Gore contra George W. Bush, já que ele teria retirado votos do democrata em estados-chave, como a Flórida, onde o ex-vice de Clinton perdeu por cerca de 500 votos. O receio, então, seria que uma candidatura independente dividisse votos dos democratas em estados cruciais para a disputa presidencial.
Advogado com carreira reconhecida no ativismo ambiental, RFK Jr. já flertava, mas até aqui resistia, com a política partidária. De acordo com a sua plataforma, quer o apoio da classe trabalhadora, que outrora apoiou seu tio presidente. Segundo o jornal The Washington Post, o American Values 2024, um grupo independente, já arrecadou US$ 5,7 milhões (R$ 27,4 milhões) para a pré-candidatura.
O terceiro dos 11 filhos de Robert Kennedy, por outro lado, não tem apoio de sua família, que tem membros no governo, como o sobrinho Joe Kennedy 3º, enviado especial para a Irlanda do Norte, e as embaixadoras Caroline Kennedy (filha do ex-presidente) e Victoria Kennedy (viúva do ex-senador Ted Kennedy).
Chama a atenção que o pré-candidato goste tanto de teorias da conspiração, já que sua própria família é envolta em tantas delas. Ele mesmo já sugeriu que a CIA, a agência de inteligência dos EUA, participou do assassinato de JFK, ecoando tese sem base na realidade. Em 2018, visitou na prisão o assassino confesso de seu pai, Sirhan Sirhan, e passou a defender que o condenado não é culpado pela morte.
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress