RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Mirian dos Santos ainda carrega consigo, no celular, os vídeos que mudaram a sua vida: as cenas que mostram seu marido, Edvaldo Viana, morto, sendo arrastado por policiais militares. As imagens registraram os instantes seguintes após o mototaxista ser baleado pela PM do Rio de Janeiro enquanto trabalhava, na Cidade de Deus, zona oeste da cidade.
O caso aconteceu em 18 de maio de 2021, e a investigação está parada há mais de um ano na Delegacia de Homicídios da capital, segundo a família da vítima e a defesa. Procurada, a Polícia Civil afirma que a investigação segue em andamento.
Viana estava com um passageiro, o catador de material reciclável Jhonathan Muniz Pereira, na garupa de sua moto. Ao passarem debaixo de um viaduto que dá acesso à Linha Amarela, na entrada da Cidade de Deus, foram atingidos por disparos de policiais do 18º Batalhão da PM. No chão e já sem vida, os dois são arrastados pelos próprios PMs, que jogam os corpos na caçamba de uma viatura. A cena é registrada em diversos ângulos por testemunhas que estavam no local.
Na época, a Polícia Militar alegou que os agentes tinham revidado uma suposta tentativa de ataque. Na versão da corporação, Viana teria sacado uma arma para atirar contra os policiais, mas a ofensiva teria sido frustrada pela reação dos PMs, que atiraram mais rápido. O 18º Batalhão afirmou ainda que a arma da vítima não pôde ser apreendida porque teria sido furtada por usuários de crack que estavam no local.
A versão da polícia foi contestada pelas famílias das vítimas e por testemunhas que gravaram os vídeos. Nas imagens, os policiais são os únicos que aparecem próximos aos corpos de Viana e Muniz.
“Meu marido nunca teve arma, nunca se envolveu com nada. Como é que os ‘cracudos’ pararam ali, como o policial falou, e levaram essa arma? Como iam chegar perto se o policial tinha acabado de tirar uma vida ali? Cadê essa arma que não apareceu até hoje?”, questiona Mirian, dois anos após a morte do marido.
A Corregedoria da Polícia Militar investigou o caso e, de acordo com o órgão, a sindicância foi concluída e remetida à Auditoria da Justiça Militar do Rio. A conduta dos PMs foi considerada correta, e portanto não houve pedido de indiciamento.
Outra investigação, conduzida pela Polícia Civil, ainda não foi concluída. Segundo a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio, que dá assistência jurídica à família de Viana, há mais de um ano a divisão responsável por investigar mortes em decorrência de intervenção policial não faz nenhuma diligência do caso.
De acordo com Rodrigo Mondego, procurador da OAB, a justificativa dada pela delegacia é de que as famílias das vítimas precisam buscar testemunhas para prestar depoimento -função que, segundo ele, deveria ser cumprida pela própria Polícia Civil.
“A dona Mirian não tem relação com a Cidade de Deus, nem ela nem o marido eram moradores de lá. Eles vivem na Gardênia Azul [outro bairro da zona oeste]. Edvaldo estava apenas passando por ali. Não faz sentido ela ir para dentro da Cidade de Deus procurar uma determinada testemunha, tendo em vista que isso é função do Estado”, diz Mondego.
Ele destaca que, na última vez que fez um pedido à Delegacia de Homicídios, há cerca de um mês, recebeu a mesma resposta de um ano antes. “Estão aguardando a família levar pessoas do lava-jato que existia na frente do ponto em que os dois foram mortos”, disse.
Em nota, a Polícia Civil nega que a equipe da delegacia especializada tenha transferido aos familiares das vítimas a responsabilidade de buscar testemunhas.
“A identificação e oitiva de testemunhas é parte do processo de investigação e atribuição da Polícia Civil, mas familiares das vítimas, assim como qualquer cidadão, podem contribuir com esse trabalho. As diligências prosseguem, a fim de esclarecer os fatos”, diz a nota.
As cenas em que o corpo de Viana é arrastado pela rua continuam consumindo Mirian. Nesses dois anos, a viúva do mototaxista liga pelo menos uma vez por mês para a OAB e para a polícia para reafirmar que o marido não era criminoso e cobrar justiça.
“Os dois foram tirados do chão como se fossem animais. Nem animal merece o que eles fizeram, arrastar o corpo daquela forma. Meu marido estava trabalhando, ele não era bandido.”
CAMILA ZARUR / Folhapress