A fala do presidente Jair Bolsonaro, que defendeu o fim do confinamento e a abertura de escolas, repercutiu entre políticos, especialistas do setor da saúde e representantes da sociedade civil em Ribeirão Preto. Em comum, a crítica à fala do presidente. Até o momento, o Brasil registra 46 mortes e 2.201 confirmações da doença. Ribeirão ainda não teve mortes, mas já confirmou oito casos positivos.
“Nossa vida tem que continuar, os empregos devem ser mantidos, o sustento das famílias deve ser preservado, devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades, estaduais e municipais, devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes e o fechamento de comércio e o confinamento em massa”, garantiu o presidente, durante a fala.
O prefeito Duarte Nogueira (PSDB) foi um dos que reagiu ao discurso de Bolsonaro. Ele informou que o decreto que determinou o fechamento do comércio e medidas severas para tentar impedir a propagação do coronavírus estão mantidos. “Seguimos e continuaremos a seguir o que preconiza o ministro da Saúde e a autoridade sanitária da nossa cidade, que é o secretário de Saúde, Sandro Scarpelini”, disse Nogueira. “A orientação é seguir as normas determinadas pela OMS, Ministério da Saúde e Secretaria Municipal de Saúde em respeito aos idosos e a todos que estão em grupo de risco”.
O presidente do Legislativo, Linconl Fernandes (PDT), reagiu de forma enfática contra a dala de Bosonaro. “Como pode alguém subestimar um vírus que colocou o mundo de joelhos, inclusive as nações mais ricas? Como pode um presidente ignorar uma doença que matou 17 mil pessoas, inclusive médicos, é que já está no meio de nós?”, disse.
Para Fernandes, “Bolsonaro é um inconsequente capaz de dar comando duplo a nação, imprevisível, e sobretudo desumano”. “Decepciona muita gente que acreditou nele, inclusive aqui na região. O País inteiro que sofre nesse momento, merece um pedido de desculpas por ter um líder que se mostra tão pequeno diante de problemas tão graves”, disse.
Bolsonaro
Ainda durante o discurso, Bolsonaro disse que apenas um pequeno grupo de pessoas deve se manter atenta ao vírus, já que na maioria, inclusive nele próprio, os sintomas seriam de uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”.
“O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos, então por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos. Noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine. Devemos, sim, ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, especialmente nossos pais e avós, respeitando as orientações do ministro da Saúde (Luiz Henrique Mandetta). No meu caso, em particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou se muito, seria acometido de uma gripezinha ou um resfriadinho”, continuou.
De acordo com Jair Bolsonaro, a imprensa fez o papel de espalhar o pânico e a histeria entre os brasileiros, conforme a situação dramática vivida pela Itália se agravava.
“Tínhamos que conter, naquele momento, o pânico, a histeria e ao mesmo tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego em massa. Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meios de comunicação foram na contramão, espalharam exatamente a sensação de pavor, tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas da Itália. Um país com um grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso. O cenário perfeito, potencializado pela mídia, para que uma verdadeira histeria se espalhasse pelo nosso país”, disse.
Reações na sociedade civil
Procurada, a OAB de Ribeirão Preto informou que não irá se pronunciar sobre o caso.
A Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp), por nota, informou que diante de uma situação sem precedentes, que já tem causado uma crise com prejuízos ainda incalculáveis, a associação entende que o pior a fazer é parar por completo.
“O melhor a fazer é buscarmos, juntos, saídas e soluções criativas para mantermos, na medida do possível e com segurança, a economia funcionando e garantindo o abastecimento de bens e a prestação de serviços e comércio essenciais. Soluções que, ao mesmo tempo, contribuam para reduzir o número de vítimas da pandemia e o desemprego. Acreditamos que as autoridades, que têm acesso às informações sobre a evolução da pandemia, têm a responsabilidade de tomar as decisões de modo a minimizar os danos para a população, aprendendo com o que está sendo realizado em outros países e tomando decisões com base técnica e científica.”
O Conselho Regional Medicina Estado São Paulo (Cremesp) faz um alerta para que a pandemia de coronavírus não seja subestimada.
“Embora grande parte das pessoas que contraem a doença tenham sintomas restritos aos vistos em gripes comuns, uma parcela significativa, maior do que em outras doenças respiratórias com as quais estamos acostumados no Brasil, evolui para quadros graves, que requerem cuidados intensivos.
Diante disso, não podemos tratar Covid-19 como um simples resfriado. A cada três dias o número de brasileiros infectados duplica. Se a curva de crescimento não sofrer uma desaceleração, pelas características da doença explicadas acima, pode não haver leitos de UTI suficientes, mesmo para pacientes jovens.
Portanto, neste momento, a recomendação mais prevalente em todo o mundo é o de isolamento social, evitando-se aglomerações de pessoas e reduzindo a livre circulação do vírus entre a população. Em particular, estudos recentes demonstram que até 80% das pessoas com Covid-19 adquiriram o vírus de pessoas sem sintomas ou com poucos sintomas. Considerando esse dado, atenção especial deve ser dada às crianças, que, em sua maioria apresentam quadros leves ou assintomáticos, mas que podem transmitir a doença a pessoas de maior risco”, diz a nota.
O Cremesp reforça também que orientações, protocolos e recomendações das autoridades sanitárias devem ser seguidos, em especial, do Ministério da Saúde, sob a coordenação do Ministro Dr. Luiz Henrique Mandetta, a fim de minimizar as consequências da disseminação da Covid-19 em no país.
O Sindicato do Comércio Varejista de Ribeirão Preto (Sincovarp) e a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), entendem que é preciso seguir as recomendações das autoridades em saúde, em especial no que diz respeito aos grupos de maior risco.
O presidente do Sincovarp e da CDL, Paulo César Garcia Lopes, diz, por meio de nota, que “se a quarentena se prolongar muito tempo, tememos por um colapso do país. Acreditamos que seja preciso agir, em caráter de urgência, também no sentido de manter a economia ativa. Sem atividade econômica as pessoas não terão como se manter e as consequências seriam ainda mais devastadoras. O desafio está aí e somente com a união de forças poderemos superá-lo. Precisamos salvar o Brasil”.
Nacional
Não foi só em Ribeirão que a fala de Bolsonaro foi criticada. Nacionalmente, ele foi questionado pelo governador João Dória (PSDB), e chegou a chama-lo de “demagogo”.
Além de Dória, o pronunciamento de Bolsonaro gerou muitas reações inflamadas. “Neste momento grave, o país precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente da República hoje, em cadeia nacional, de ataque”, disse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, foi outro a criticar. “Desde o início desta crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública. Cabe aos brasileiros seguir as normas determinadas pela OMS e pelo Ministério da Saúde em respeito aos idosos e a todos que estão em grupo de risco”, disse.
Diversas entidades do setor médico também se posicionaram. A Sociedade Brasileira de Infectologia, por exemplo, manifestou “preocupação” com o pronunciamento. “Neste difícil momento da pandemia de COVID-19 em todo o mundo e no Brasil, trouxe-nos preocupação o pronunciamento oficial do Presidente da República Jair Bolsonaro, ao ser contra o fechamento de escolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como “um resfriadinho”.
Já a Associação Brasileira de Saúde Coletiva chamou a atitude de Bolsonaro de “irresponsável”. “As entidades de saúde coletiva e da bioética consideram intolerável e irresponsável o “discurso da morte” feito pelo Presidente da República, na noite de 24 de março, em cadeia nacional de rádio e TV.