Aproximação de Irã e Arábia Saudita levanta dúvidas sobre impactos para Síria

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com a aproximação recente entre Irã e Arábia Saudita, hoje os grandes rivais no Oriente Médio, resta a dúvida do que será feito de suas peças no tabuleiro regional. Os países estiveram, afinal, em lados opostos de importantes conflitos. Iranianos e sauditas tomaram parte, por exemplo, na guerra civil travada desde 2011 na Síria: o Irã apoiou Bashar al-Assad, enquanto a Arábia Saudita armou forças rebeldes.

A longa rivalidade entre iranianos e sauditas começou a ser revertida, ao menos no papel, em março, quando representantes de ambos os países se reuniram na China para reatar seus laços. Como primeiro passo, podem reabrir postos diplomáticos e retomar os voos entre as capitais.

Trata-se de um acontecimento histórico, dadas as décadas de animosidade entre Teerã e Riad. Esse movimento, no entanto, não deve causar transformações drásticas e imediatas na Síria, que nos últimos anos deixou de ser uma prioridade saudita. A monarquia conservadora tem se preocupado mais com suas reformas domésticas e com o vizinho Iêmen, em grave crise humanitária e também em meio a uma guerra civil, com reflexos diretos para a Arábia Saudita, incluindo ataques contra seu território.

Mas isso não quer dizer que não haverá impactos na Síria. “Um dos frutos do pacto deve ser a aceleração da normalização dos laços entre Arábia Saudita e Síria”, diz Kawa Hassan, do americano Stimson Center e especialista em Oriente Médio -o chanceler saudita se reuniu com Assad em Damasco no último dia 18.

O movimento é importante porque, desde o começo da guerra civil, o restante dos países árabes se afastou da Síria, e o ditador chegou a ser expulso da Liga Árabe, um importante órgão multilateral, o que foi um gesto simbólico importante. O isolamento sírio enfraquece Assad tanto na política quanto na economia, já que provoca o bloqueio de importantes rotas de financiamento.

“Até o ano passado, já existia alguma vontade por parte da Arábia Saudita de normalizar os seus laços com a Síria, mas sob diversas condições, como o retorno dos refugiados sírios e a redução da influência iraniana no país”, afirma Hassan. “Agora, a Arábia Saudita parece disposta a uma normalização incondicional das suas relações.” Isso é resultado de uma série de mudanças na dinâmica de poderes.

Na prática, Assad já ganhou a guerra civil. Os combates arrefeceram em 2020, e o ditador enfrenta resistência apenas no norte do país, na fronteira com a Turquia, região que foi palco de um terremoto, em fevereiro. A Arábia Saudita já havia se afastado dessa disputa e não tinha muito mais em jogo naqueles lados. “Decidiram que era melhor negociar, na esperança de que isso leve a reformas”, diz Hassan.

Outra razão para a mudança é a percepção de que a Síria já não representa um risco existencial para a região, afirma o especialista. Há uma década, o país de Assad estava tomado pela organização terrorista Estado Islâmico, mas a facção radical foi neutralizada nos últimos anos -ao menos por ora-, e agora a maior preocupação dos países do Golfo é a produção e o contrabando de anfetaminas da Síria.

Não são só os sauditas que querem se reaproximar de Assad, aliás. Há especulações, também, de que o Egito planeja um movimento semelhante -o ditador sírio já circula no Omã e nos Emirados Árabes. Há até a expectativa de que a Arábia Saudita convide o país para o próximo encontro da Liga Árabe, previsto para maio, apesar de alguma resistência de membros como Marrocos e Qatar.

Nada disso significa que o conflito sírio está resolvido. Assad segue no poder, a despeito da onda de protestos populares iniciada em 2011 e duramente reprimida. O país foi devastado pelo conflito civil e ainda não tem acesso aos investimentos internacionais tão urgentes para a sua reconstrução.

Investidores evitam a Síria não só devido a seu isolamento regional, mas também em razão das sanções americanas, que impossibilitam negócios. A continuidade do conflito, ainda que em bolsões, também é um obstáculo. “O ambiente não é favorável a qualquer investimento”, diz Hassan. De certa maneira, Assad ganha com a normalização entre Irã e Arábia Saudita -mas não está claro se os sírios ganham também.

DIOGO BERCITO / Folhapress

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