TOULOUSE, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Choque. Horror. Francocídio. As reações de lideranças políticas ao ataque de um homem sírio a crianças e idosos em um parquinho à beira do lago de Annecy, na região dos Alpes franceses, nesta quinta (8), deram munição à proposta da direita e da ultradireita da França para endurecer as regras de imigração no país.
O suspeito de ter esfaqueado dois adultos e quatro crianças, duas das quais gravemente, é um sírio de 31 anos, que se diz cristão, obteve refúgio na Suécia há dez anos e havia solicitado asilo na França em 2022.
A ação, analisada pela polícia e pela promotoria francesas, não foi classificada como terrorismo, mas dá força à tese de “descivilização da França”, apontada pelo presidente Emmanuel Macron no final de maio.
A retórica presidencial foi lida como uma referência, não ao conceito do sociólogo alemão Norbert Elias, mas às ideias do teórico Renaud Camus, autor da teoria xenofóbica segundo a qual os franceses estariam à beira de uma “grande substituição” por imigrantes, em especial os de origem muçulmana.
Ainda que o suspeito dos ataques de Annecy estivesse legalmente no país, seu perfil jogou gasolina na fogueira dos debates sobre imigração, marcados por um vaivém na proposta do governo sobre o tema e por apelos da direita francesa para que a pauta seja votada por eleitores por meio de um referendo.
A opinião pública, apontam pesquisas, respaldaria um endurecimento anti-imigração no país e reconhece que esse é um debate de paixões: 80% dos entrevistados pelo Instituto Francês Opinião Pública, no final de 2022, enxergam a imigração como assunto que os franceses não conseguem discutir com serenidade.
Além disso, 70% dizem que a França já tem muitos imigrantes e julgam como indesejável que esse grupo aumente. O percentual subiu 6 pontos desde a última pesquisa sobre o assunto, realizada em 2018.
Ao apresentar o projeto de lei do governo ao Senado, o ministro do Interior, Gérard Darmanin, destacou o aumento dos pedidos de asilo na França. “Dobrou em dez anos e triplicou desde 2007”, pontuou.
Segundo ele, “não há nada que sugira que essa tendência vai se desacelerar nos próximos meses e anos em toda a Europa” e que “não faz sentido comparar dados de hoje com os dos anos 1990, porque naquela época a maioria dos países de origem dos solicitantes de asilo, como Síria, Líbia, Afeganistão, não estavam no caos político e terrorista em que se encontram hoje”.
Na primeira versão do texto apresentado ao Parlamento, o governo tentava acenar tanto para a direita quanto para a esquerda das duas Casas, mas acabou desagradando aos dois campos. O projeto incluía medidas para facilitar deportações, especialmente de estrangeiros “delinquentes”, e mudanças no direito ao asilo, mas também apresentava propostas de integração de imigrantes em situação ilegal a partir da regularização de trabalhadores de ocupações que carecem de mão de obra local, como construção civil.
Os debates esquentaram tanto que Macron retirou a proposta e anunciou que ela seria fatiada em várias. Depois, a primeira-ministra Elisabeth Borne disse que o governo apresentará um novo texto em julho.
Diante do ataque de Annecy, o líder do partido ultradireitista Reconquista, Éric Zemmour, falou em “francocídio”. “Eles estão nos colocando em perigo. Vocês têm o direito de se recusar a aceitar esses francocídios”, escreveu em seu perfil numa rede social. “Antes, os solicitantes de asilo fugiam para evitar a morte. Agora, os solicitantes de asilo saem de seu país para melhor matar nossos filhos.”
Laurent Jacobelli, da Reunião Nacional, partido de ultradireita de Marine Le Pen, relacionou o episódio diretamente à migração. “Todos os dias, os franceses pagam o preço da imigração desregulamentada e anárquica. A segurança de nossos concidadãos deve ser uma prioridade absoluta”, escreveu.
O ex-premiê François Fillon, do Republicanos, também fez menção ao projeto de lei. “Quanto tempo mais vamos perder discutindo em vez de tomar as medidas essenciais para proteger os franceses?”
Parlamentares de centro e de esquerda pediram que lideranças não explorassem politicamente o episódio e tirassem conclusões precipitadas a respeito. Ao que tudo indica, tarde demais.
FERNANDA MENA / Folhapress