Foi no começo de 2021 que Rodrigo Vellozo contou para seu pai, Benito di Paula, que a esposa estava grávida de uma menina, Aurora. Benito ficou em silêncio, sem reação, mas logo em seguida levantou e foi para o piano. O autor de Charlie Brown e Retalhos de Cetim criou uma nova canção ali, de primeira, só sentindo a emoção de ganhar uma nova neta. Rodrigo e Benito gravaram a música juntos e, em agosto, colocaram Aurora nos serviços de streaming de música, dando início às comemorações do aniversário de 80 anos de Benito, em 28 de novembro.
A primeira delas é o lançamento de disco de inéditas, feito em parceria com o filho. Com o título de O Infalível Zen, o CD reúne 12 faixas de canções nunca antes interpretadas por Benito. Algumas delas estavam apenas guardadas na gaveta por anos, tomando poeira, como uma homenagem do autor de Mulher Brasileira ao cantor Nelson Gonçalves – “que não deu certo de ele gravar”, conta Benito ao Estadão. Mas, claro, há composições recentes, como Aurora, e até mesmo algumas novas parcerias.
“Fiquei provocando meu pai para ele compor, além de também resgatar algumas coisas que ele compôs e não tinha gravado ainda. Pesquisei sobre toda a obra dele. Aí começamos a pensar nesse disco”, conta Rodrigo Vellozo. “São músicas inéditas, antigas ou recentes. Também temos parcerias com nomes da música contemporânea de São Paulo, música instrumental dele no piano. É um panorama do que ele fez e faz, só que nos dias de hoje.”
NOS PALCOS
Também na segunda quinzena de novembro, pai e filho vão reencontrar o público. Benito conta que quase não saiu de seu apartamento desde o início da pandemia. No período, chegou a raspar cabelo e barba, características marcantes de seu visual. Não gostou. “O pessoal elogiou, mas parecia uma bola sete”, brinca ele, na entrevista. Agora, de volta com o visual de sempre e com o avanço da vacinação, está mais seguro para voltar aos palcos. Mas com algumas mudanças e menos pessoas envolvidas.
No lugar da banda, dois pianos de cauda. Um para ele, outro para Rodrigo. Isso sem falar do violão, que ressurgiu na pandemia, relembrando o começo de carreira de Benito, que dava aula de violão para principiantes enquanto se apresentava na noite. Apesar das mudanças, nada de ansiedade, mas sim de alegria. “Nestes quase dois anos, estamos com saudades do palco. Faz falta o abraço, o aplauso, a presença do público”, diz Benito. E o que vai ter no show? “O que meu pai quiser”, resume Rodrigo.
É, claramente, um momento de redescoberta de Benito consigo mesmo. Ainda que algumas coisas do passado o incomodem, como as relações que teve com gravadoras, ele parece feliz nessa fase em que sua música se une com a do filho. “A gente faz o trabalho da gente. É um trabalho simples dentro do contexto musical brasileiro. Mas temos muitos valores, aqueles eternos, e não estamos preocupados em fazer coisas complicadas. A gente nem sabe fazer isso”, afirma Benito, quando questionado sobre a expectativa em relação ao disco.
Por fim, para o ano que vem, mais novidades: Rodrigo e Rômulo Fróes estão preparando um disco com vários artistas celebrando Benito, com nomes como Criolo, Demônios da Garoa e Roberta Sá. Nada mais justo para um artista que sempre prezou por homenagens, como Sanfona Branca para Luiz Gonzaga, a empolgante Unidos de Tom Jobim, a música inédita para Nelson Gonçalves ou, enfim, as canções Do Jeito Que a Vida Quer e Como Dizia o Mestre, que compôs para Ataulfo Alves, que se tornaram obrigatórias nos shows.
A ideia, se tudo correr como ele espera, é fazer um CD duplo juntamente com O Infalível Zen e, assim, encerrar a celebração dos 80 anos em 2022 com as novidades e Benito fazendo jus ao que diz na música Vou Cantar, Vou Sambar: “Vou cantar, vou cantar enquanto eu viver”. Hoje, o quase octogenário mostra que ainda celebra a carreira que construiu ao longo desse conjunto de oito décadas, mas que também não deixa de olhar para o futuro – inclusive agora, aproveitando os momentos com a pequena Aurora.
Aurora indica novo caminho na carreira
A nova música Aurora, que abre os trabalhos das comemorações pelos 80 anos de Benito di Paula, mostra que o compositor de Do Jeito Que a Vida Quer e Sanfona Branca não está interessado em ficar parado, apenas deixando o tempo fazer sua parte. No mercado fonográfico desde os anos 1970, mas em atividade desde a década anterior na noite do Rio, de Santos e São Paulo, este talvez seja o momento de maior transformação da forma como ele faz música.
Aurora lembra muito pouco do que conhecemos de Benito em Tudo Está no Seu Lugar, Charlie Brown ou Retalhos de Cetim. Obviamente, sua voz continua com a mesma presença – grave, diferenciada, brincando com as notas e passeando pela melodia, independentemente de que música seja. No entanto, o que acompanha a voz do cantor ganhou roupagem contemporânea idealizada pelo próprio Rodrigo Vellozo, seu filho, e por Rômulo Fróes, também responsável por novos projetos e compositor da emocionante Lágrimas no Meu Sorriso, gravada por Rodrigo e Benito.
Há uma percussão mais contida, valendo-se da sonoridade da madeira do violão. Nas cordas, bem no começo da faixa, Benito improvisa Concierto de Aranjuez, do espanhol Joaquín Rodrigo, mostrando sua habilidade com as cordas. No fundo, no decorrer da música, sopros bem encaixados, percussão e até mesmo sintetizadores.
É algo bem diferente, por exemplo, do que pode ser visto em A Felicidade É Nossa, álbum do fluminense de Nova Friburgo lançado em 2017. Desapareceu a levada chamada por acadêmicos como “samba-joia”, com toques românticos em um ritmo marcado por percussão, determinando a levada da canção.
Não sabemos, ainda, se esse novo estilo perdurará. Mas o fato é que essa reinvenção de Benito, mas ainda se mantendo fiel a suas raízes, é boa para todos: para ele próprio, para os fãs e para quem ainda vai conhecer seu trabalho.
Agência Estado