WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – De surpresa, Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, foram a um restaurante mexicano na sexta (5), quando comemora-se o Cinco de Mayo, uma das festas mais populares para a comunidade expatriada nos EUA.
Na Taqueria Habanero, o presidente pediu quesadilla de frango, churros e tacos para assessores, tudo para viagem. Conversou com funcionários e clientes, ouviu gritos de “eu te amo” e posou para fotos.
Esse foi o mais recente aceno do democrata, em pré-campanha para seguir na Casa Branca, em busca de um voto valioso, o dos latinos. Maior grupo étnico do país depois dos brancos, eles são 18,9% da população americana, ou 63 milhões de pessoas. É também a comunidade que mais cresce: hoje, 14,3% das pessoas aptas a votar são latinas, enquanto em 2000 essa proporção era de 7,4%.
O gesto mais significativo de Biden nesse sentido foi escolher como chefe da campanha à reeleição Julie Chávez Rodríguez, que ocupava até então o Escritório de Assuntos Intergovernamentais da Casa Branca –o que fazia dela a latina com o cargo mais alto no governo federal até obter o novo cargo.
De ascendência mexicana, Chávez Rodríguez, 45, é neta de um famoso líder sindical do Arizona, César Chávez, e atua em administrações democratas desde o primeiro mandato de Barack Obama.
Ela chegou ao governo atual após trabalhar com Kamala, quando a democrata ainda era senadora. Também foi conselheira sênior na campanha vitoriosa de Biden, em 2020, como assessora voltada para a comunidade latina. Agora, o posto para o qual foi escolhida reflete a importância dada ao tema em 2024.
Outra pessoa entre os gerentes da campanha é a deputada democrata Veronica Escobar, uma escolha ainda mais simbólica, porque ela é de El Paso, na fronteira com o México, um dos maiores pontos de entrada de imigrantes nos EUA –a crise migratória é uma das principais críticas de republicanos a Biden.
O foco nos latinos tem um motivo específico: se antes era um grupo étnico que votava quase em bloco em democratas, a preferência cada vez mais está convergindo para republicanos, ainda que a predileção pelo partido de Biden siga majoritária. Nas eleições legislativas do ano passado, 64% dos latinos votaram em candidatos democratas à Câmara, enquanto 33% escolheram republicanos, segundo pesquisa da African American Research Collaborative (AARC), que analisa os votos de minorias no país.
Contudo, o voto em nomes democratas caiu cinco pontos percentuais em relação ao pleito anterior.
Uma mudança ainda mais acentuada foi vista da eleição presidencial de 2016 para a de 2020, quando os democratas perderam oito pontos percentuais no total entre latinos. “Eles não são um monolito e não há votos garantidos para nenhum partido. A busca por esses votos precisa respeitar isso e ser autêntica”, diz Jess Morales Rocketto, estrategista na Equis Research, entidade que pesquisa o voto latino.
Ela defende ainda que os esforços dirigidos a essa parcela aconteçam durante toda a corrida, não só na reta final, para angariar os votos. Outro ponto fundamental, afirma, é a comunicação bilíngue. O site oficial da campanha de Biden e Kamala já tem uma versão em espanhol –a única língua além do inglês para o qual a página foi traduzida. Os anúncios no YouTube também têm opção de legenda em espanhol.
A busca pelo voto latino é ainda mais importante considerando o sistema eleitoral americano, em que quem vence em um estado leva todos os votos do Colégio Eleitoral. No Arizona, Biden venceu Trump por uma diferença de apenas 0,3% dos votos, com 10 mil cédulas a mais. Por lá, os latinos são 32% da população e um quarto dos eleitores. Em Nevada, onde Biden venceu por dois pontos de diferença, os latinos são 30% da população. Ambos os estados tiveram disputas acirradas para o Senado, e a participação latina foi considerada crucial para garantir a maioria democrata na Casa nas midterms.
Republicanos também investem no segmento, com iniciativas como a plataforma Libre, que difunde ideias conservadoras para a comunidade hispânica. Uma dificuldade é agrupar tanto os imigrantes de diferentes países e contextos sociais da América Latina quanto os descendentes que vivem há gerações nos EUA.
Se, por um lado, há cubanos anticomunistas na Flórida que fugiram do regime comunista e tendem a votar em peso nos republicanos (68%), por outro há descendentes de mexicanos na região da fronteira que preferem os democratas, segundo a pesquisa da AARC. Latinas tendem a votar mais em democratas (68%) do que latinos (58%), o que faz diferença em eleições como a última, em que o aborto foi visto como uma questão essencial para garantir uma performance melhor do que a esperada para o partido de Biden.
Um outro fator ajuda os democratas entre os eleitores latinos: o frenesi anti-imigração dos republicanos. Os levantamentos apontam que segurança das fronteiras fica em décimo lugar nas prioridades desse grupo, atrás de inflação, preço de combustíveis, direitos reprodutivos, custo da saúde, tiroteios em massa e crise climática. Proteger os direitos dos imigrantes também está à frente de segurança das fronteiras.
Enquanto isso, o Partido Republicano caminha no sentido oposto. Nesta semana, a Flórida aprovou uma lei que obriga hospitais a questionarem a situação migratória de pacientes e permite processar por tráfico humano qualquer um que transportar um imigrante em situação irregular além das fronteiras do estado.
A legislação também dá US$ 12 milhões para o governador e potencial candidato à Presidência, Ron DeSantis, enviar asilados para outros estados, como fez ao fretar aviões com pessoas que nem estavam na Flórida em 2022. Ele as mandou a uma ilha no estado de Massachusetts, liderado pelos democratas.
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress