BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Colômbia e Chile enfrentam suas crises domésticas se inclinando a lados opostos. Enquanto o presidente colombiano, Gustavo Petro –o primeiro de esquerda na história do país– rompe com sua coalizão centrista e nomeia ministros aliados, o chileno Gabriel Boric cede a pautas da direita.
Eleitos na última ondulação à esquerda na América Latina, ambos passam por uma série de derrotas políticas e dificuldades para governar nos meses recentes, o que os fez mudar de estratégia para tentar concretizar as promessas reformistas que fizeram aos seus eleitores.
Na visão de analistas, os dois movimentos, apesar de contrários, são consequência do fortalecimento da ultradireita na região, somado aos problemas aprofundados pela pandemia. “É difícil promover grandes reformas nesse cenário, por isso crises políticas podem ser uma constante”, diz Fernanda Nanci, coordenadora do núcleo de estudos de política externa da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Em Bogotá, Petro está diante de sua primeira grande instabilidade em oito meses de gestão ao ver entraves no Senado e na Câmara a dois de seus principais projetos: a reforma do sistema de saúde, com o objetivo de reduzir a participação do setor privado, e a redistribuição de terras.
Apesar de ter maioria no Legislativo, o colombiano vinha sentindo a resistência da própria coligação, formada por membros do partidos Liberal, Conservador e da União (centro). Lideranças dessas legendas chegaram a ameaçar expulsar quem votasse a favor do governo, segundo a imprensa local.
A tensão subiu, e Petro indicou na terça-feira (25), pelo Twitter, que faria uma grande mudança. No dia seguinte, anunciou a troca de sete ministros (Fazenda, Agricultura, Interior, Saúde, Ciência, Tecnologia e Transporte) e do Departamento Administrativo da Presidência.
“Petro nomeou figuras políticas conhecidas e aliadas dele”, diz Nanci. “Agora a primeira composição do governo está rompida, e o presidente precisará governar sem ter a maioria no Congresso.”
A troca que gerou mais barulho foi a de José Antonio Ocampo (Fazenda), que se formou em Harvard e Yale e havia sido escolhido justamente para facilitar a relação com o mercado. Sua saída causou uma desvalorização do peso, mas, segundo Nanci, a poeira deve baixar logo porque o substituto, Ricardo Bonilla, tem experiência na área.
Não é a primeira vez que o presidente colombiano substitui lideranças para realizar reformas. Ele já havia trocado outros três ministros que se opunham ao seu projeto de saúde, dois meses atrás, e fez o mesmo quando era prefeito de Bogotá, há 11 anos, para fazer andar seu plano de desenvolvimento distrital.
Outra estratégia utilizada frequentemente por Petro é convocar seus apoiadores a se manifestarem nas ruas em prol das reformas de políticas públicas. Mesmo assim, ele não conseguiu impedir o baque em sua popularidade, que caiu de 56% no início de seu mandato para 40% em março.
Já no Chile, as duas mudanças ministeriais feitas por Gabriel Boric desde que assumiu, há pouco mais de um ano, foram no sentido contrário. A intenção foi levar o governo mais ao centro do espectro político, logo após sofrer a rejeição das reformas constitucional e tributária.
“O governo não tem maioria no Congresso, onde precisa negociar com uma direita liberal bem articulada, reunida na coalizão Chile Vamos, e com uma ultradireita pouco disposta a negociar”, afirma o cientista político Diogo Ivis, do Observatório Político Sul-Americano (OPSA), também da Uerj.
Em março, Boric substituiu cinco ministros poucos dias depois de ver seu projeto de mudança nos impostos barrado na Câmara dos Deputados. A reforma era essencial para aumentar os recursos de que ele precisava para cumprir suas promessas de campanha, diz Ivis.
A troca mais importante ocorreu no Ministério de Relações Exteriores: Antonia Urrejola foi substituída por Alberto Van Klaveren, com perfil mais discreto e mais diálogo com governos passados. É uma aposta de moderação, já que o projeto agora será submetido ao Senado, onde precisa de dois terços dos votos.
Antes, em setembro de 2022, o presidente chileno alterou as chefias de outras cinco pastas, também poucos dias após a rejeição de uma proposta da nova Constituição. Foi uma vitória da direita, contrária ao texto em pontos como Previdência, saúde, paridade de gênero, direito ao aborto e meio ambiente.
Na ocasião, subiram aos cargos Carolina Tohá (Ministério do Interior), responsável pela política de segurança e segunda na linha sucessória do país, já que não há vice, e Ana Lya Uriarte (Secretaria da Presidência), depois substituída por motivos de saúde. Ambas ocuparam postos nos governos direitistas de Michelle Bachelet, portanto têm maior trânsito político.
Naquele dia, Boric também declarou que tornaria prioritária a área da segurança, principal desafio de seu governo. Anunciou um aumento de 4,4% do orçamento do setor para 2023, devido ao aumento das quadrilhas de narcotráfico nos últimos anos.
A partir daí, o chileno passou a assumir um tom mais linha-dura e se esforçou para apressar a aprovação de projetos de lei que expandem os poderes da polícia, mesmo sob oposição de membros do seu governo. Um permite mobilizar militares em zonas de fronteira para deter migrantes considerados suspeitos e outro amplia o escopo da legítima defesa para policiais.
As sinalizações à direita e o enfrentamento dos grandes incêndios florestais que acometeram o país em fevereiro fizeram aumentar a popularidade de Boric em março para 39%, segundo pesquisa da Criteria. Os efeitos práticos disso, porém, serão postos à prova na eleição da Assembleia Constituinte, em 7 de maio.
JÚLIA BARBON / Folhapress