LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Diferentemente do documento convencional, a nova autorização de residência para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em Portugal, que já foi pedida por 100 mil brasileiros, não garante livre circulação para turismo no Espaço Schengen, que agrega 28 países europeus.
A restrição, que só foi informada mais de dois meses após o lançamento da modalidade, surpreendeu muitos dos imigrantes que aderiram ao novo modelo. Dos mais de 131 mil pedidos já realizados, cerca de 108,4 mil (82,8%), foram de brasileiros.
Dentro do território português, a autorização de residência da CPLP garante a regularização automática e confere formalmente todos os direitos aos imigrantes.
Para obtê-la, no entanto, os estrangeiros são obrigados a cancelarem o primeiro passo do pedido de regularização pela via convencional –a chamada manifestação de interesse, que dá acesso ao cartão de residência reconhecido pelas demais autoridades migratórias europeias.
Nas redes sociais e em associações de apoio a imigrantes, há diversos relatos de quem se sente enganado quanto ao novo documento.
Em Portugal há cerca de dois anos, a cabeleireira Jéssica Torres diz não ter pensado duas vezes antes de aderir à regularização automática pela modalidade da CPLP. Assim como muitos brasileiros, ela chegou ao país europeu como turista, mas ficou para viver e trabalhar mesmo sem ter a permissão adequada.
“Já estava com a manifestação de interesse feita há um tempão, mas ainda não tinha sido aprovada, não tinha nem previsão. Era uma sensação muito ruim, me deixava muito angustiada, fora as dificuldades burocráticas”, conta. “Quando eu vi que tinha a possibilidade de ficar legal no país automaticamente, eu quis logo fazer. Agora que eu sei que não posso nem aproveitar para viajar depois de passar tanto tempo trabalhando, acho que não valeu a pena. Se eu soubesse antes, não sei se teria pedido.”
Em nota, o Serviço de Estrangeiros em Fronteiras (SEF), responsável pela imigração em Portugal, afirmou que, embora o direito de circulação no Espaço Schengen não esteja assegurado pela nova residência, brasileiros ainda podem viajar a turismo para os países que compõem o espaço de circulação comum –uma afirmação que expõe a falta de clareza das novas permissões.
Citando resoluções europeias que isentam a necessidade de vistos de turismo de curta duração, o SEF afirmou que “os cidadãos brasileiros podem viajar em turismo, desde que a permanência em território Schengen não ultrapasse 90 dias num período de 180 dias”.
Muitos advogados e organizações de apoio a imigrantes discordam dessa interpretação devido à dificuldade de comprovação dos limites temporais para as autoridades migratórias das demais nações.
Os brasileiros têm o passaporte carimbado com a data de chegada ao primeiro país da área comum de circulação. Como a residência da CPLP não é reconhecida pelos outros Estados-membros e o registro do passaporte pode ter superado os 180 dias, há risco de problemas.
Em nota divulgada à comunidade, a Casa do Brasil de Lisboa, associação que apoia imigrantes em Portugal, alertou que “por enquanto, não existem garantias de que o direito a circular pelo território de outros Estados-membros por um período de 180 dias, sem nenhum tipo de visto, venha a ser concedido”.
Normalmente, é possível circular livremente pelos países que compõem o Espaço Schengen, mas agentes migratórios costumam realizar fiscalizações aleatórias. Também é relativamente comum o restabelecimento temporário do controle de algumas fronteiras, como acontecerá em agosto entre Portugal e Espanha, devido à Jornada Mundial da Juventude em Lisboa.
Profissionais e imigrantes têm se queixado ainda sobre as dificuldades para obter informações sobre a nova autorização de residência. Na avaliação da advogada Raphaela Souza, sócia da assessoria Portugal para Todos, muitos brasileiros que aguardavam há anos a regularização acabaram “aceitando qualquer coisa” para resolver rapidamente a situação e as muitas dificuldades da falta de documentação adequada.
“Na prática, estamos vendo um aumento da burocracia, não a solução da questão, tamanhas a obscuridade e a falta de informação por parte das autoridades oficiais”, afirma Souza.
A especialista chama a atenção ainda para o fato de o documento da CPLP ser apenas “uma folha de papel A4” com as informações dos imigrantes, e não o cartão tradicional de residência. “O que vem depois dessa autorização de residência CPLP? Não sabemos.”
GIULIANA MIRANDA / Folhapress