BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O destino dos irmãos indígenas resgatados após passarem quase 40 dias perdidos na floresta amazônica é incerto depois que uma briga familiar, denúncias de maus-tratos e críticas ao presidente Gustavo Petro lançaram dúvidas sobre a guarda das crianças.
Após perderem a mãe no mesmo acidente aéreo que os deixou na floresta, a menina Lesly Jacobombaire Mucutuy, 13, e os irmãos Tien Noriel, 9, Soleiny, 5, e Cristin, 1, se recuperam em um hospital militar de Bogotá sob a tutela do governo, sem saber com quem devem ficar após o trauma.
A questão veio a público depois que o pai das crianças e a família materna passaram a trocar acusações na imprensa, principalmente em frente à unidade, onde os irmãos ainda devem passar ao menos duas semanas internados recebendo alimentos leves, atendimento psicológico e cuidados tradicionais indígenas.
Segundo o jornal El Tiempo, Manuel Miller Ranoque, que foi um dos rostos mais visíveis durante as buscas dos pequenos, é pai biológico apenas dos dois irmãos menores e padrasto dos dois maiores. Familiares da mãe, Magdalena Mucutuy, acusam Ranoque de maus-tratos contra ela e as crianças.
Eles o denunciam inclusive por uma suposta tentativa de abuso sexual contra uma das crianças, o que ele nega. Segundo reportagem do portal Casa Macondo, compartilhada por Petro nas redes sociais, Lesly costumava se esconder no mato com os irmãs para fugir das agressões do padrasto, bêbado.
O avô materno, Narciso Mucutuy, disse no hospital que Ranoque teria batido no pescoço de sua filha com um facão. Agora, ele pede que o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, responsável pelos direitos das crianças e adolescentes no país, conceda a guarda a ele e a sua esposa, Fátima, também voz ativa durante as buscas.
Ranoque, porém, negou todas as acusações e disse que a família de sua ex-esposa quer tirar as crianças dele para obter benefícios econômicos. Também criticou Petro e seu governo por ter usado a imagem dos filhos nas redes sociais e disse que o presidente combinou de falar com ele, mas não apareceu.
“Posso garantir que não tenho nada a ver com nenhum abuso familiar. São tentativas desesperadas porque querem tirar meus filhos de mim e levá-los. As pessoas que estão falando assim nem estavam comigo procurando o crianças enquanto eu estava mal”, disse Ranoque em entrevista ao El Tiempo.
Referindo-se à família Mucutuy, afirmou que “querem levar as crianças para, por meio delas, pedir recursos, fazer confusão. Porque é a única coisa que eles sabem fazer”, acrescentou ele, descrevendo as acusações de abuso sexual como inválidas e desmentidas pela própria suposta vítima.
Ranoque disse ainda, na porta do hospital, que “está totalmente em desacordo” com a visita de Petro às crianças no último sábado (10), que teria ocorrido sem a sua permissão. O presidente postou fotos no hospital e um vídeo em que um tio das crianças o abraça e agradece pelo apoio.
“Como eles expõem meus filhos como objeto de chacota? Se eu, que sou o pai, não estou fazendo isso, por que as pessoas que estão dormindo e comendo bem vão lá, os deixam entrar, tiram fotos dos meus filhos, os colocam nas redes sociais. Isso é injusto”, afirmou.
Ele ainda indicou aos jornais locais na ocasião, sem dar detalhes, que recebeu ameaças pessoais e a seus filhos de rebeldes da frente Carolina Ramírez, dissidentes do acordo firmado em 2016 entre o governo e as Farc que recrutam e aterrorizam os moradores da região. “Para eles sou um objetivo”, disse.
O Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar afirma que as denúncias feitas pela família Mucutuy estão sendo apuradas, que não é o momento de falar sobre o assunto, confidencial, e que vai levar tempo até que a defensora de família responsável pelo caso tome uma decisão.
“Dias depois do resgate, é impossível fazer essa determinação. Pode-se especular muito, mas é importante pedir privacidade no que será esse processo de restauração de direitos”, afirmou a subdiretora do órgão, Adriana Velásquez, ao El Tiempo. “É a defensora da família quem deve tomar a decisão. Muitos fatores entram aqui: etnia, relações familiares, redes de apoio e vínculos”, acrescentou.
JÚLIA BARBON / Folhapress