Policia Militar usa bomba de gás e balas de borracha contra indígenas na rodovia dos Bandeirantes

Ação da PM de SP na rodovia bandeirantes (Reprodução/Amanda Perobelli/Reuters)
Ação da PM de SP na rodovia bandeirantes (Reprodução/Amanda Perobelli/Reuters)

A Tropa de Choque da Polícia Militar utilizou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar o protesto de indígenas guaranis que bloqueavam a rodovia dos Bandeirantes desde às 5h30 desta terça-feira (30) em reação à votação do projeto de lei do marco temporal, o PL 490.

Cerca de 100 indígenas e apoiadores, que fizeram vigília desde a tarde de segunda-feira (29) na Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, desceram dos fundos da aldeia principal, na altura do Km 20 da rodovia dos Bandeirantes, com faixas contra a PL 490 e material inflamável, interditando a via com pneus em chamas.

De acordo com o coronel da PM Carlos Forner, a atuação do Choque foi necessária pois as negociações não avançaram. “Depois de 3 horas de negociação, não conseguimos evoluir e fomos obrigados a recuar. A ação da polícia foi um sucesso”, afirmou.

De acordo com a Autoban, há congestionamento em Jundiaí, na rodovia dos Bandeirantes, entre os km 60 e o km 49. Em São Paulo, o congestionamento é registrado do km 14 ao km 11, da rodovia Anhanguera.

A via ficou interditada por três horas e, após a ação do Choque, a via foi totalmente liberada às 9h20.

Na pista, mulheres homens e crianças iniciaram o bloqueio sob cânticos indígenas, formaram cordões com escudos de bambu e estenderam faixas contra a aprovação do projeto. Motoqueiros e um carro da Secretaria da Saúde de São Paulo furaram o bloqueio pelo lateral da pista.

A Polícia Militar chegou com viaturas e motos no local por volta das 6h. Inicialmente, os policiais ainda estavam se “inteirando” da situação, como disse um dos agentes.

Após 2h de protesto, as lideranças começaram a negociar com a Polícia Militar Rodoviária a liberação da passagem de motociclistas, ambulâncias e pessoas que eventualmente passassem mal por conta da fumaça.

Sob intermediação de advogadas da Comissão Guarani Yvyrupa, que davam suporte no protesto, o diálogo entre lideranças indígenas e agentes policiais resultou na liberação de uma faixa, mas o tráfego continuou parado.

A líder Ara Poty, das terras do Jaraguá, concordou em liberar parte do tráfego com a condição ser acompanhada pelos policiais até o início da marginal Tietê.

De acordo com o tenente da Polícia Militar Rodoviária, Thiago Ribeiro, os agentes aceitam garantir a segurança da caminhada até a marginal Tietê somente com a liberação de pelo menos três faixas da rodovia por parte dos manifestantes. “A gente precisa que a via seja liberada”.

Após a dispersão do protesto, Ara Poty reclamou do uso de gás lacrimogêneo contra os manifestantes, o que fez pelo menos duas crianças passarem mal por inalar o gás. Ela endereçou as críticas contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“Você [Tarcísio] é um anti-indígena. Mandou seu povo [os policiais] nos expulsar de uma manifestação pacífica. A tua polícia estava armada até os dentes”, disse a líder indígena.

A reportagem entrou em contato com a gestão Tarcísio, na manhã desta terça, para pedir esclarecimentos sobre a atuação da polícia e aguarda posicionamento.

O protesto da comunidade indígena do Jaraguá é uma reação dos povos originários à votação do projeto de lei do marco temporal, o PL 490. A Câmara dos Deputados pode votar ainda nesta terça o projeto que restringe as terras indígenas às áreas ocupada na data da promulgação da Constituição de 1988.

Após deputados aprovarem a urgência do projeto na última quarta-feira (24), lideranças indígenas cobram resposta do governo federal diante do esvaziamento da política ambiental, que ameaça desmantelar o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.

Lideranças indígenas da Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, afirmam que o bloqueio da rodovia tem como objetivo chamar atenção para a “mudança na história do Brasil” que a aprovação do PL 490 possivelmente representa. “Se perdermos, vamos, por assim dizer, para o ‘tudo ou nada’. A gente pode perder vidas com isso, mas é a guerra que a gente vai lutar”, disse a liderança indígena Matheus Werá.

Segundo Werá, Guaranis de outras três aldeias do município de Mongaguá (Baixada Santista) e da Reserva Indígena Gwyra Pepo (Taperí, SP) vieram de ônibus e vans para vigília e o bloqueio.

O marco temporal, se aprovado, acumula nova derrota de Lula nas articulações da pauta ambiental –já prejudicada pelo avanço da medida provisória que reestrutura os ministérios e tira a demarcação de terras do Ministério dos Povos Indígenas.

Em articulações no Congresso Nacional, no dia 24, Lula cedeu perdas ao Ministério do Meio Ambiente para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI (Programa de Parceria de Investimento).

Em caso de aprovação na Câmara, o projeto do marco temporal vai à votação no Senado, e ainda pode voltar aos deputados federais antes da sanção do presidente Lula.

Ambientalistas e entidades do setor criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.

A medida em que a bancada ruralista pressiona o Congresso Nacional pela aprovação do projeto, secretários do governo de São Paulo sinalizam apoio à aprovação. O secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto, disse em manifestação enviada no último dia 19 ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que o projeto evita ruptura do território nacional.

“O julgamento poderá afetar todo território nacional, inclusive, ou principalmente, a propriedade urbana privada, no estado de São Paulo e em todo país”, disse Prieto.

ENTENDA O MARCO TEMPORAL

A TESE

O marco temporal determina que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

A CRÍTICA

Os movimentos indígenas discordam da tese e afirmam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvos de séculos de violência e destruição de aldeias; portanto, entendem que as terras que são de direito dos povos não devem ser balizadas por uma data.

O STF

O Supremo pautou para 7 de junho a retomada do julgamento que vai decidir se a tese é válida ou não. Até agora, o ministro e relator Edson Fachin votou contra o marco. O ministro Kassio Nunes Marques, a favor.

O PROJETO DE LEI

Paralelamente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui o marco temporal. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprovar o texto antes do julgamento do STF.

PEDRO MADEIRA E BRUNO SANTOS / Folhapress

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