Choque usa bomba de gás e balas de borracha contra indígenas e libera rodovia dos Bandeirantes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Tropa de Choque da Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar o protesto de indígenas Guaranis que desde as 5h30 desta terça (30) bloqueavam as cinco faixas da rodovia dos Bandeirantes (sentido capital), em reação à votação do projeto de lei do marco temporal, o PL 490, prevista para esta terça na Câmara dos Deputados.

Cerca de 100 indígenas e apoiadores, que faziam vigília desde segunda (29) na Terra Indígena Jaraguá, na zona norte de São Paulo, desceram da aldeia principal, na altura do km 20 da rodovia dos Bandeirantes, com faixas contra a PL 490 e material inflamável, interditando a via com pneus em chamas.

De acordo com o coronel da PM Carlos Forner, a atuação do Choque foi necessária porque as negociações não avançaram. “Depois de três horas de negociação, não conseguimos evoluir. A ação da polícia foi um sucesso”, afirmou.

A ofensiva da polícia contra os manifestantes começou por volta das 8h30, e às 9h30 a estrada havia sido liberada.

De acordo com a Autoban, concessionária que administra a rodovia, houve congestionamento em Jundiaí (SP), entre os km 60 e 49 da rodovia dos Bandeirantes. Reflexo do bloqueio também foi sentido na rodovia Anhanguera, com trânsito parado entre os km 14 e 11, em São Paulo.

O marco temporal institui a tese segundo a qual as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Os indígenas rejeitam esse argumento e afirmam que, pela Constituição, lhes é de direito seus territórios originais. Desde a última quarta (24), o PL tramita em caráter de urgência.

“Se perdermos, vamos, por assim dizer, para o ‘tudo ou nada’. A gente pode perder vidas com isso, mas é a guerra que a gente vai lutar”, disse Matheus Werá, uma das lideranças da terra Indígena Jaraguá.

Durante o protesto, mulheres, homens e crianças iniciaram o bloqueio na pista com cordões e barricadas de bambu, sempre entoando cânticos indígenas.

A PM chegou ao local por volta das 6h, com viaturas e motos. Às 7h30, após duas horas de manifestação, lideranças indígenas começaram a negociar com a Polícia Militar Rodoviária a liberação da passagem de motociclistas, ambulâncias e pessoas que eventualmente passassem mal por causa da fumaça das chamas dos pneus.

Com a intermediação de advogadas da Comissão Guarani Yvyrupa, que davam suporte aos manifestantes, a negociação resultou, inicialmente, na liberação de uma faixa da rodovia, mas o trânsito continuou parado.

A líder indígena Ara Poty, do Jaraguá, concordou em liberar parte do tráfego com a condição de ser acompanhada pelos policiais até a marginal Tietê, como havia sido previsto pelos manifestantes.

De acordo com o tenente da Polícia Militar Rodoviária Thiago Ribeiro, contudo, os agentes aceitam garantir a segurança dos manifestantes até a marginal Tietê somente com a liberação de pelo menos três faixas da rodovia.

Após a dispersão do protesto, Ara Poty criticou o uso de gás lacrimogêneo contra os manifestantes, o que fez ao menos duas crianças passarem mal. Ela endereçou as críticas ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“Você [Tarcísio] é um anti-indígena. Mandou seu povo [PMs] nos expulsar de uma manifestação pacífica. A tua polícia estava armada até os dentes”, disse a líder indígena.

A reportagem entrou em contato com a gestão Tarcísio na manhã desta terça para pedir posicionamento sobre a atuação da polícia e aguarda resposta. Mais cedo, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou, em nota, que estavam sendo empregados “todos os meios necessários para manter a segurança da população, a fluidez do trânsito e o direito à livre manifestação”.

O protesto da comunidade indígena do Jaraguá é uma reação dos povos originários à votação do projeto de lei do marco temporal, o PL 490. A Câmara dos Deputados pode votar ainda nesta terça o projeto que restringe as terras indígenas às áreas ocupada na data da promulgação da Constituição de 1988.

Após deputados aprovarem a urgência do projeto na última quarta-feira (24), lideranças indígenas cobram resposta do governo federal diante do esvaziamento da política ambiental, que ameaça desmantelar o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas.

Lideranças da Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, afirmam que o bloqueio da rodovia tem como objetivo chamar atenção para a “mudança na história do Brasil” que a aprovação do PL 490 possivelmente representa.

Segundo Werá, Guaranis de outras três aldeias do município de Mongaguá (Baixada Santista) e da Reserva Indígena Gwyra Pepo, em Taperí (SP), se deslocaram de ônibus e vans para se somar à vigília e ao bloqueio.

O marco temporal, se aprovado, acumula nova derrota de Lula na pauta ambiental –já prejudicada pelo avanço da medida provisória que reestrutura os ministérios e tira a demarcação de terras do Ministério dos Povos Indígenas.

Em articulação no Congresso no dia 24, Lula cedeu perdas ao Ministério do Meio Ambiente para blindar a Casa Civil, responsável pela execução dos projetos mais importantes para o presidente, como o PPI (Programa de Parceria de Investimento).

Em caso de aprovação na Câmara, o projeto do marco temporal vai a votação no Senado —e ainda pode voltar aos deputados antes da sanção pelo presidente Lula.

Ambientalistas e entidades do setor criticam o PL e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, instalação de linhas de transmissão de energia e de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.

À medida que a bancada ruralista pressiona o Congresso a favor do PL, secretários do governo de São Paulo sinalizam apoio à aprovação. O secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto, disse em manifestação enviada no último dia 19 ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que o projeto evita ruptura do território nacional.

ENTENDA O MARCO TEMPORAL

A TESE

O marco temporal determina que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

A CRÍTICA

Movimentos indígenas discordam da tese e afirmam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvo de séculos de violência e destruição de aldeias; portanto, entendem que as terras que são de direito dos povos não devem ser balizadas por uma data.

O STF

O Supremo pautou para 7 de junho a retomada do julgamento que vai decidir se a tese é válida ou não. Até agora, o ministro e relator Edson Fachin votou contra o marco, e o ministro Kassio Nunes Marques, a favor.

PL 490

Paralelamente à discussão no STF, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei que institui o marco temporal. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprovar o texto antes do julgamento no Supremo.

PEDRO MADEIRA E BRUNO SANTOS / Folhapress

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