Como o coronavírus dribla o sistema imune? Dois novos estudos explicam

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Duas novas pesquisas revelaram os mecanismos pelos quais o coronavírus escapam da resposta imune.

Os vírus usam enzimas conhecidas como proteases para escapar das defesas inatas do nosso sistema imunológico, uma vez que essas enzimas “desativam” o sinal molecular que ajuda a reconhecer as áreas na superfície do vírus onde as células de defesa atuam.

Os resultados das pesquisas foram publicados na última terça-feira (2) na revista especializada Science Signaling, do grupo Science.

Os coronavírus são um grupo de vírus da família Coronaviridae, do qual o mais conhecido atualmente é o Sars-CoV-2, agente causador da pandemia da Covid. Mas há outros seis coronavírus conhecidos por infectar seres humanos, entre eles os vírus Sars e Mers e quatro coronavírus que causam resfriado.

Em geral, os efeitos de uma infecção por coronavírus variam de casos assintomáticos com sintomas de resfriado leves até um quadro inflamatório grave que pode levar à necessidade de internação e assistência de ventilação mecânica.

O que vai determinar os efeitos da infecção pelo coronavírus é a quantidade de vírus em replicação no organismo, o tipo de variante (algumas variantes do Sars-CoV-2 provocam mais ou menos sintomas, como vimos durante a pandemia) e a resposta imune do nosso organismo.

No último caso, como a resposta imunológica se dá, principalmente, contra a entrada nas células, os vírus estão sempre em mutação e procurando formas de evadir esta defesa. Uma dessas formas é “esconder” a região do vírus reconhecida por células de defesa que ajudariam a desencadear uma resposta imunológica.

No primeiro experimento, conduzido por cientistas da Universidade de Pequim, os pesquisadores identificaram as enzimas conhecidas como PLPs (proteases similares a papaínas, na sigla em inglês) na superfície de diversos tipos de coronavírus. Essas PLPs tinham efeitos variados na resposta imune contra, por exemplo, um coronavírus de resfriado, onde era mais brando, e no Sars-CoV-2, onde as proteases eram mais potentes e produziam uma maior evasão da resposta imune.

O mecanismo envolvido na ação das proteases é conhecido como Sting (ou estimulador dos genes de interferon, na sigla em inglês). De forma geral, os interferons são marcadores moleculares liberados frente a um processo inflamatório, assim como as citocinas, que ajudam o organismo a reconhecer um local onde o invasor se encontra -vírus, bactéria ou célula tumoral- e atacá-lo.

Como as proteases dos coronavírus inibem esse sinal molecular, os interferons não são ativados, e a resposta imunológica falha, permitindo, assim, a replicação viral.

O experimento que se seguiu procurou avaliar se o uso de uma molécula similar ao Sting (chamada agonista) em conjunto com um inibidor da protease viral impedem a replicação do Sars-CoV-2.

Ao testar células pulmonares humanas com os dois compostos, os pesquisadores do Terceiro Hospital Popular de Shenzhen, na China, viram que esse combinado molecular bloqueou a replicação viral.

De acordo com os pesquisadores, esta pode ser uma molécula alvo na busca por novos antivirais que tenham uma ação mais eficaz em impedir a multiplicação do vírus nas células e diminuir sua infecção.

Mecanismo de escape muda entre as variantes?

Como no primeiro experimento os cientistas viram que os diferentes tipos de coronavírus possuem uma resposta diversa quanto à ação das proteases, os pesquisadores testaram também se as diferentes variantes da Covid apresentam o mesmo processo de “desativação” do mecanismo Sting.

Os pesquisadores observaram, ainda, que no Sars-CoV-2, as proteases apresentam pequenas variações em sua sequência de aminoácidos. As variantes da Covid alfa, beta, gama e delta tinham diferentes mutações nesta região, mas todas estavam envolvidas no processo de desativação do Sting, retardando, assim, a resposta imunológica contra o vírus.

Como muitos dos mecanismos de defesa do organismo são voltados, no primeiro momento, ao reconhecimento do patógeno no corpo por meio de proteínas encontradas na superfície viral (chamados antígenos), um antiviral que contenha os diferentes tipos de mutações encontradas nas variantes pode ser mais efetivo em impedir a replicação viral e acabar com a infecção.

Os autores concluem que o estudo é o primeiro a desvendar este mecanismo celular complexo envolvido no reconhecimento e bloqueio do coronavírus que, quando desativado, pode acabar favorecendo o chamado escape imunológico.

“Este mecanismo de desativação de Sting [sistema de interferons e citocinas molecular] parece ser a via pela qual os coronavírus que infectam humanos atuam para evadir os anticorpos”, afirmam.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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