Como uma panda gigante se tornou símbolo das tensões entre EUA e China

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A panda gigante Ya Ya é praticamente uma americana honorária —nascida em Pequim em 2000, ela foi enviada para os Estados Unidos quando tinha só dois anos de idade.

Nesta sexta-feira (28), 20 anos depois, ela enfim voltou ao seu país natal. Para muitos, no entanto, mais do que um retorno há muito aguardado, sua chegada simbolizou o desgaste das relações diplomáticas entre os EUA e a China, que atingiu seu ápice nos últimos meses.

Oficialmente, Ya Ya voltou em razão do fim de um empréstimo de 20 anos para o zoológico de Memphis. A fêmea havia sido enviada ao local em 2003, junto com o macho Le Le. Segundo o jornal Global Times, vinculado ao Partido Comunista Chinês, a instituição americana contratou veterinários especializados e plantou cerca de quatro hectares de bambu para receber o casal, gastando cerca de US$ 16 milhões na empreitada.

Presentear, emprestar ou ceder em locação a espécie que é um dos principais símbolos da China a outros países é uma prática do gigante asiático desde ao menos os anos 1960.

Chamada de “diplomacia dos pandas”, ela teve início com Mao Tse-tung (1893-1976), que começou a enviar os animais a nações com quem o PC Chinês queria construir amizades estratégicas. Nos anos 1980, com a ascensão de Deng Xiaoping (1904-1997), os presentes se tornaram empréstimos em um modelo de arrendamento capitalista baseado em transações financeiras.

Já na fase atual, o envio de pandas está associado a nações que fornecem recursos valiosos à China e simbolizam a disposição dos dirigentes em construir “guanxi”, um termo chinês usado para definir relações comerciais profundas caracterizadas por confiança, reciprocidade, lealdade e longevidade. O Global Times afirma que hoje há 60 pandas gigantes chineses emprestados pelo mundo.

As verdadeiras razões do retorno de Ya Ya foram, no entanto, questionadas por uma reportagem publicada pela rede americana CNN. Segundo o texto, imagens recentes da panda que a mostravam magra, com o pelo amarelado e ralo, provocaram uma verdadeira mobilização da população chinesa nas redes sociais. A morte de Le Le em fevereiro teria agravado ainda mais a situação.

Ainda de acordo com a emissora americana, nas últimas semanas Ya Ya foi um dos assuntos mais comentados no Weibo, equivalente chinês ao Twitter, e alvo de uma petição online pedindo sua volta imediata. Outdoors com imagens dela acompanhadas da mensagem “Ya Ya, estamos esperando você voltar para casa” foram inaugurados em locais que iam de Xangai a Nova York, e chineses que vivem nos EUA se revezaram para visitá-la e compartilhar atualizações sobre a sua condição.

Enquanto isso, ainda segundo a CNN, vídeos de dois pandas gigantes brincando animadamente no zoológico de Moscou viralizaram nas redes sociais chinesas, rendendo elogios à Rússia —principal aliada estratégica da China, numa parceria constantemente questionada pelo Ocidente desde o início da Guerra da Ucrânia— por seu cuidado com seus pandas.

Se o imbróglio não era necessariamente geopolítico, ele passou a ser com a publicação de um editorial do Global Times contra a reportagem. No texto, o jornal estatal acusa a rede americana de tentar distorcer a imagem de Pequim e de “incitar uma atmosfera insalubre” em relação ao país.

“A CNN não só interpretou incorretamente a atenção do povo chinês em relação a Ya Ya como um símbolo do nacionalismo chinês como alegou que a mídia chinesa usa pandas para provocar sentimentos antiamericanos”, afirma o jornal.

Antes, na quarta-feira (26), o Ministério das Relações Exteriores chinês havia reforçado que o casal de pandas havia sido bem cuidado durante seu período nos EUA em seu encontro regular com a imprensa. “Durante sua estadia no zoológico de Memphis, eles foram bem tratados e receberam muita afeição do povo americano”, afirmou Mao Ning, uma das porta-vozes do órgão, na ocasião.

Ya Ya chegou à China em um avião especial, após 16 horas de voo. A emissora Al Jazeera afirmou que seu retorno novamente chamou a atenção no Weibo, onde a postagem “damos as boas-vindas online a Ya Ya” teve ao menos 340 milhões de visualizações, e a hashtag “Ya Ya aterrissou em Xangai”, 430 milhões. A ursa ficará em quarentena por 30 dias na cidade até ser transferida para o zoológico de Pequim.

Já bem abaladas nos últimos anos por fatores que vão do cerco comercial americano a empresas de tecnologia chinesas à expansão militar americana no Sudeste Asiático, as relações entre China e EUA têm vivido uma série de crises nos últimos tempos.

O pico das tensões este ano se deu em fevereiro, quando o Pentágono divulgou a descoberta de um balão chinês sobrevoando o território americano. Washington afirma que o objeto é um instrumento de espionagem, enquanto Pequim insiste que o artefato, derrubado por um caça, é um equipamento de pesquisas, sobretudo meteorológicas.

Mais recentemente, porém, o maior tema de desavenças tem sido a Guerra da Ucrânia —Washington, principal fornecedor de armas de Kiev, tem acusado Pequim de planejar enviar artefatos militares para Moscou, o que o país asiático nega.

Redação / Folhapress

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