Cresce atuação da Força Nacional em territórios indígenas por causa de conflitos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Aumentou a atuação da Força Nacional em territórios indígenas nos últimos anos. Apesar de destacar a importância dessa presença, ampliada em razão da intensificação de conflitos, especialistas falam em desvio de finalidade da força por conta do tempo que permanece nessas regiões.

Segundo dados obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação, em 2021 e 2022 o governo editou, respectivamente, 15 e 18 portarias para liberar a ação da Força Nacional em territórios indígenas. Em 2019 e 2020, primeira metade da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram apenas duas em cada ano. Em 2018, não houve nenhuma. Até agora 2023 também não teve nenhuma.

Em Cada portaria significa a atuação em uma localidade diferente.

A Força Nacional está hoje presente em 17 territórios indígenas diferentes a pedido de Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Polícia Federal, Ministério da Saúde e Secretaria Geral da Presidência da República.

A Força Nacional é composta por policiais cedidos por estados e pelo Distrito Federal para a preservação da ordem pública e para enfrentar situações de calamidade. É autorizada a atuar pelo Ministério da Justiça após solicitação ou autorização dos Executivos estaduais e do DF.

O diretor de Mediação e Conciliação de Conflitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Marcos Kaingang, disse que a Força Nacional está atuando em conflitos internos e externos. Eles vão desde a proteção dos povos indígenas contra o garimpo ilegal e o desmatamento até as disputas entre etnias diferentes que vivem em locais próximos.

“Os conflitos se ampliaram no governo Bolsonaro. O estado se eximiu das responsabilidades. Depois das eleições, por exemplo, houve muitas ameaças e perseguições contra os indígenas porque a maioria votou para eleger o presidente Lula [PT]”, disse.

A terra indígena do Vale do Javari, onde foram assassinados o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, foi cenário de invasões de pescadores armados, ataques com tiros a indígenas, além de pesca e caça ilegais.

Segundo Beto Marubo, integrante da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), a Força Nacional foi levada para o local em 2019 após dez ataques a tiros a uma base de proteção da Funai.

No entanto, ele disse que o quantitativo é insuficiente para o território e os agentes carecem de mais orçamento para atuar de forma mais efetiva. Segundo Marubo, não há barco, principal meio de transporte da região, à disposição dos policiais.

“O Brasil ainda deve uma resposta para o mundo, continua a mesma coisa da época do assassinato de Bruno e Dom. Há coisas paliativas que não resolvem o problema, as invasões persistem”, disse.

Ao todo a Força Nacional atual em territórios indígenas localizados no Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Sul, Rondônia e Roraima. Na Terra Indígena Apyterewa (PA) são mais de sete anos, desde janeiro de 2016.

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que o crescimento é consequência e não causa do aumento de conflitos. No entanto, o efetivo é insuficiente dependendo do tamanho do território.

“Esse crescimento mostra, na minha visão, que o governo anterior sabia o que estava acontecendo, claramente tinha noção do crescimento de garimpeiros, problemas na saúde e mandavam a Força Nacional para esses locais. É um recurso caro e aplicado como band-aid, porque não resolve”, disse.

Na sua avaliação, apesar da Força Nacional ser necessária nessas áreas, está havendo um desvio de função porque ela foi criada para administrar ações temporárias, de crise.

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, acrescenta que o aumento do emprego da Força Nacional ainda na gestão Bolsonaro serviu como uma resposta mínima que o governo precisou dar para não abandonar totalmente esses territórios.

“A questão ambiental e indígena se agravou muito nos últimos anos. A Força Nacional, em alguma medida, foi um recurso que ainda sobrou, responde a uma necessidade. Além do seu uso, é preciso reforçar as investigações”, avaliou.

Kaingang, do Ministério dos Povos Indígenas, disse que em muitos locais o quantitativo da Força Nacional não é suficiente, e as secretarias de Segurança Pública não liberam os policiais estaduais alegando falta de efetivo. “Apesar do número de agentes, avalio que é extremamente importante e crucial a sua presença”, disse.

Ele destacou ainda que, em parceria com Ministério da Justiça, Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, Polícia Rodoviária Federal, Funai e Ibama, será criado um planejamento integrado de segurança de proteção territorial dos povos indígenas.

O representante do governo federal explicou que a intenção é começar pelo Maranhão com o projeto-piloto e, se der certo, ampliar para outros estados. Na sua visão, a integração do trabalho de todas as forças ostensivas e judiciárias é fundamental para a proteção dos territórios indígenas.

O Ministério da Justiça disse, em nota, que a ampliação da presença da Força Nacional em territórios indígenas se deve, única e exclusivamente, por necessidade, uma vez que as comunidades, a exemplo do território yanomami, têm sido agredidas em seu território e em seu patrimônio.

“O crime é transfronteiriço, o que exige atuação federal, de forma cooperativa e integrada. Dessa forma, o Ministério da Justiça e Segurança Pública é demandado e autoriza as operações para conter a criminalidade. A pasta está reavaliando as operações da Força Nacional em todo território nacional”, disse.

Membros da pasta disseram à Folha de S.Paulo que uma equipe começou a percorrer as terras indígenas para ver qual a situação da Força Nacional e avaliar se o melhor caminho é a permanência. Na avaliação desses membros, está havendo um desvio de finalidade pelo tempo que as equipes ficam no local.

A Funai foi procurada, mas também não se manifestou até a publicação do texto.

RAQUEL LOPES / Folhapress

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