SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na cidade de São Paulo, a maioria das áreas de desmatamento da mata atlântica para expansão urbana está localizada no extremo sul. Esse fenômeno ocorre há, pelo menos, três anos. O principal motivo, segundo a prefeitura, são loteamentos ilegais financiados pelo crime organizado.
Levantamento do MapBiomas, que acompanha o uso da terra no Brasil, mostra que a capital paulista perdeu 84,6 hectares (846 mil m2) de sua vegetação nativa de janeiro de 2019 a fevereiro deste ano para construção de moradias. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, o município possui 25 mil hectares preservados do bioma, que é celebrado neste sábado (27), o Dia da Mata Atlântica.
Somente na zona sul, foram 63 hectares (74% do total da cidade) derrubados no período, equivalentes a 88 campos de futebol (cada um com 105 metros de comprimento por 68 de largura).
O secretário do Verde e Meio Ambiente de São Paulo, Antonio Pinheiro Pedro, afirma ter impedido resultado pior desde 2021, quando, segundo ele, a gestão Ricardo Nunes (MDB) passou a priorizar a proteção do bioma. “Foram evitados mais de 200 hectares de desmate irregular para assentamentos”, diz.
Ele credita o saldo à OIDA (Operação Integrada em Defesa das Águas), iniciativa coordenada pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo do estado, que começou há dois anos. Com auxílio das polícias, as zonas de interesse hídrico e ambiental da capital paulista são monitoradas contra crimes ambientais.
As principais áreas de atuação da operação são as das represas Guarapiranga e Billings. O território inclui quatro subprefeituras do sul da cidade: M’Boi Mirim, Capela do Socorro, Parelheiros e Cidade Ademar.
O entorno das represas faz parte do Cinturão Verde da cidade de São Paulo, protegido pela Lei da Mata Atlântica. Ela incentiva a recuperação e preservação das áreas nas quais a vegetação nativa ainda prospera.
Naquela extensão, de janeiro de 2021 a março deste ano, vistorias resultaram na remoção de 379 construções irregulares em 189 km2, com multas quem somam mais de R$ 9 milhões, de acordo com o governo do estado. Foram apreendidos 432 maquinários nas ações.
O secretário Antonio Pedro afirma que monitorar a região tem se mostrado um trabalho perigoso. Facções são as principais responsáveis pelos desmates, e agentes das subprefeituras constantemente recebem cartas com ameaças de morte, diz.
“O crime age sem medo. O PCC (Primeiro Comando da Capital) atua como uma corporação imobiliária. Há, por todas as ruas, anúncios de terrenos à venda. Todos ilegais. Descaradamente, as pessoas dão até seus nomes e telefones”, conta também o secretário.
Pedro afirma ainda que os loteamentos, atualmente, são mais lucrativos para as facções do que o próprio tráfico de drogas.
Vias da zona sul não são os únicos espaços a abrigarem anúncios de lotes ilícitos à venda. Em grupos de Facebook, a prática é usual. Nos últimos dez dias, a reportagem encontrou mais de 15 anúncios desse tipo somente em Parelheiros. Os terrenos são vendidos de R$ 100 mil a R$ 150 mil, com possibilidade de entrada a partir de R$ 10 mil.
Somente naquele distrito, o MapBiomas identificou sete pontos de considerável desmatamento para expansão urbana desde 2019.
A situação, no entanto, é menos grave que a observada no Grajaú, distrito mais populoso da cidade e pertencente à subprefeitura da Capela do Socorro. Lá foram avistadas nove áreas clandestinamente desmatadas no mesmo período.
Um desses territórios originou até um bairro, o Jardim Toca, no Parque Residencial Cocaia, às margens da Billings. Desde 2013, o MapBiomas alerta para a ampliação de habitações no local na esteira do desmatamento.
O novo bairro fica na margem oposta ao Sesc Interlagos, que mantém área de mata atlântica recuperada, ocasionando contraste. Enquanto o centro cultural, visto de cima, parece um ponto verde, o alaranjando dos tijolos e o cinza do cimento dominam o Jardim Toca.
Para Luis Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, o maior perigo da expansão da cidade ao sul é a aproximação de áreas urbanas do parque estadual da Serra do Mar, no limite da cidade, que possui a maior porção contínua preservada de mata atlântica no país.
“A Serra do Mar é um local de risco por seu relevo de serras muito íngremes e pequena cobertura de solo. É a floresta que a segura. Urbanizando aquela região, teríamos mais população em zonas de risco e maior probabilidade de desastres”, alerta.
Novo relatório da SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado nesta semana mostra que, nacionalmente, o desmatamento da mata atlântica ficou acima dos 20 mil hectares no ano passado. A área equivale a 125 parques Ibirapuera, na cidade de São Paulo, e é a segunda maior dos últimos seis anos.
Com apenas 24% remanescentes da cobertura original, a mata atlântica teve 20.075 hectares (ou 200,75 km²) derrubados em 2021-2022, uma queda de 7,2% em relação ao período anterior (2020-2021), que registrou 21.642 hectares desmatados.
“Para a mata atlântica, estamos falando de um valor ainda muito alto, muito acima do que já foi o menor índice, de 11 mil hectares, em 2017-2018, e faz parte de um processo cumulativo de cinco séculos de desmatamento”, afirma Guedes Pinto.
Investigações em andamento
O Ministério Público de São Paulo investiga os assentamentos irregulares em áreas de mananciais protegidas pela Lei da Mata Atlântica. Em 2020, a Promotoria instaurou diligência para esclarecer as razões da disseminação dessas ocupações mesmo diante de fiscalização governamental.
O pedido de averiguação cita a demanda social por habitação como catalisadora do problema.
O inquérito mira possíveis deficiências nos órgãos estaduais e municipais de monitoramento. Foi observado, por exemplo, que a subprefeitura da Capela do Socorro possuía apenas seis agentes para fiscalização de 134 km2 em 2020. Com 353 km2, a situação era a mesma em Parelheiros.
A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo diz que a Polícia Civil, por meio da Divisão de Investigações sobre Infrações contra o Meio Ambiente, tem investigado os loteamentos clandestinos e que, caso constatada a participação de organizações criminosas, “os fatos serão devidamente apurados em parceria com a Polícia Militar Ambiental”.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
BRUNO LUCCA / Folhapress