Criminosos obtiveram em casa armas de fogo de 6 dos 11 ataques do tipo em escolas no Brasil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 6 de 11 ataques em escolas brasileiras nos quais houve o uso de armas de fogo, os autores dos atentados as obtiveram dentro de casa.

Essa é uma das conclusões de um estudo inédito do Instituto Sou da Paz. Nele, foram analisados boletins de ocorrência e processos judiciais.

Ao todo, as armas de fogo estiveram presentes em 11 de 24 atentados registrados no país desde 2002. Seu uso causou 34 mortes e deixou 57 feridos.

Nesses 11 atentados, foram utilizadas 15 armas (dez revólveres, três pistolas e duas garruchas). Destas, nove tiveram como origem a casa do próprio agressor e pertenciam aos pais ou a outro familiar.

Das 15 armas, 9 apresentavam registro legal identificado, sendo 6 delas comprovadamente registradas por um parente que trabalhava na área da segurança (policial, perito, guarda).

Outras três foram subtraídas do proprietário legal e revendidas, como no caso do atentado a uma escola em Sobral, no Ceará, em que um atirador esportivo foi preso sob suspeita de ter vendido ilegalmente sua arma para o pai do adolescente agressor.

Para pesquisadores, essas informações apontam para a urgência de um endurecimento da política de controle e fiscalização da compra de armas de fogo.

Eles defendem a necessidade, por exemplo, de obrigar proprietários de armas a comprovar locais de guarda segura, como cofres, que impeçam o acesso facilitado de crianças e adolescentes.

“A maior circulação de armas e munição no país pode ser um fator facilitador para os ataques. Ainda que o governo atual atue para frear essa banalização do acesso a armas, precisamos ter clareza de que a política do Bolsonaro deixará uma herança por anos. As armas que já estão nas residências continuarão lá”, diz Bruno Langeani, gerente do Sou da Paz e um dos responsáveis pelo estudo.

Em julho do ano passado, o número de armas de fogo nas mãos de pessoas com registro de CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) chegou a 1 milhão.

Entre os 11 ataques com armas de fogo, houve dois em 2011, dois em 2019 e dois em 2022. Os demais ocorreram em 2002, 2003, 2012, 2017 e 2018 (um em cada ano).

Ao todo, o estudo analisou 24 ataques em escolas ocorridos em todo o país, desde o primeiro registro em outubro de 2002 até abril de 2023. Os atentados resultaram em 45 mortes (75,5% delas causadas por armas de fogo) e 92 feridos (62% atingidos por disparos).

O trabalho mostra ainda que atentados nos quais os autores usaram armas de fogo tiveram três vezes mais vítimas mortas.

“Esses dados evidenciam quão crucial é o controle de armas para reduzir a letalidade desses ataques. Os autores de crimes desse tipo querem atingir o maior número de vítimas e sabem que, com armas, conseguirão alcançar mais facilmente esse objetivo”, afirma Langeani.

A análise aponta ainda que, em alguns casos, os autores tiveram o acesso às armas incentivado pelos próprios pais. É o caso do adolescente de 16 anos que invadiu e atirou contra estudantes e professores em duas escolas de Aracruz (ES). A polícia identificou que o próprio pai, que é policial militar, ensinou o menino a atirar.

Para Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os dados mostram que é preciso ter políticas públicas que limitem ao máximo o uso de armas de fogo pela população.

O docente cita, como prioridade, a volta de campanhas pelo desarmamento, a compra de armas de civis pelo governo e a conscientização de profissionais de segurança por meio de treinamentos melhores para desencorajar situações como a de Aracruz, em que o jovem foi ensinado a atirar pelo pai.

“Arma de fogo e menor de idade não combinam, não dá para esperar que uma pessoa jovem, que não tem caráter totalmente formado ainda, possa ter uma arma por perto”, diz Alcadipani. Ele lembra que o combate a ataques em escolas, no entanto, não deve ser feito apenas com a restrição à compra de armas.

“É preciso coibir todo e qualquer elemento que facilite [atentados], não é só a arma de fogo: é preciso ter cultura de paz nas escolas, ter diálogo com os alunos para entender o que eles estão passando, atendimento psicológico e social nas escolas.”

Lista **** O estudo identificou que, em ao menos 20 ataques, os autores planejaram o crime por semanas ou meses, o que reforça não se tratar de ações impulsivas. Eles também encontraram informações na internet que os ajudaram a cometer o atentado.

Outro ponto em comum que aponta para a premeditação é a imitação estética entre os autores. Em cinco casos, a mesma máscara de caveira, símbolo utilizado por vários grupos neonazistas, foi escolhida pelos agressores para serem usadas nos ataques.

O mês de abril, quando ocorreram os massacres de Columbine (EUA) e de Realengo (RJ), também é o que mais concentra ataques no país. Essa conexão aparece também em materiais encontrados com os autores.

“Saber que esses atentados são, em geral premeditados, nos dá uma oportunidade importante de prevenção. Se a escola e as famílias se atentarem aos sinais, pode haver uma contenção dessa agressão”, diz o pesquisador.

Em diversos casos, os agressores tinham histórico de violência dentro da escola, haviam feito ameaças a professores e colegas ou feito agressões misóginas e racistas. Todos os atentados registrados no país foram cometidos por homens ou meninos.

“Além da facilitação de acesso a armas, nós tivemos nos últimos anos uma retórica de que a violência é aceitável contra aqueles que são considerados inimigos. Na maioria dos casos, os autores tinham um discurso de ódio contra mulheres, negros. Por isso, é preciso uma política ampla para conter esses ataques”, diz Langeani.

Para os pesquisadores, essas informações apontam para ações que podem ser desenvolvidas no país para prevenir ataques desse tipo. Por exemplo, a formação de profissionais da educação para identificar comportamentos que precisavam de intervenção da área da saúde mental.

Também reforçam a necessidade de mudança na legislação brasileira para responsabilizar as plataformas de mídias sociais por falta de moderação de conteúdo extremista, demora ou ausência de respostas em casos de denúncia.

ISABELA PALHARES / Folhapress

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