SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O ano foi agitado para o pequeno Enzo, aprendeu as primeiras letras na escola e mostrou habilidade com os números. Em março, ele completou 8 anos e fez o seu primeiro aniversário sem a presença do pai, morto em uma abordagem de agentes da Polícia Rodoviária Federal em Umbaúba (SE).
A memória de Genivaldo de Jesus Santos é uma presença forte na família desde aquele 25 de maio de 2022, há um ano, quando policiais soltaram spray de pimenta e uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do porta-malas da viatura em que ele foi colocado após uma abordagem. Ele havia sido parado por trafegar de moto sem capacete e acabou morrendo por asfixia após a ação.
Antes de ser colocado na viatura, foi imobilizado, atingido com spray nos olhos, jogado ao chão e recebeu chutes dos policiais. As investigações apontaram que a ação durou 12 minutos.
Mãe, irmãos, viúva e filho ainda aguardam por um desfecho sobre as causas e culpados da morte na Justiça Cível e Criminal. E ainda buscam respostas para a morte, nas mãos de agentes do Estado, deste homem negro de 38 anos, que tinha esquizofrenia e era visto como um pai dedicado.
“A dor ainda é a mesma, não muda. É uma ferida que está aberta e que é cutucada todos os dias. A gente precisa que aconteça logo esse júri para ter um pouco mais de tranquilidade”, diz à Folha Maria Fabiana dos Santos, viúva e mãe do filho de Genivaldo.
Ela classifica a morte do marido como uma ação terrível e injustificável dos policiais que atuaram na abordagem: “Foi uma crueldade sem tamanho que nos causa indignação todos os dias”.
A família de Genivaldo ainda diz considerar que o racismo contribuiu para uma ação truculenta da Polícia Rodoviária Federal e foi determinante para a sua morte.
Em janeiro deste ano, a 7ª Vara Federal de Sergipe tornou réus os três policiais rodoviários federais presos por envolvimento na morte de Genivaldo.
Na decisão, a Justiça determinou que os policiais sejam submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri quanto aos supostos crimes de tortura-castigo e homicídio triplamente qualificado.
Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia haviam sido presos em 14 de outubro passado. As defesas dos policiais recorreram da decisão na Justiça. Ainda não há uma data prevista para o júri.
“A família espera ansiosamente que a justiça seja feita. Essa é a única forma de amenizar a dor desta família. É uma dor que se sente todos os dias, a dor dos 12 minutos de tortura a qual Genivaldo foi submetido”, afirma a advogada Priscila Mendes, que representa a viúva.
Além do processo criminal, também corre na Justiça Federal uma ação que requer indenização para a família. A negociação não chegou a um acordo entre União e família.
Conforme apontou reportagem da Folha de S.Paulo em abril, pessoas que acompanham as negociações afirmam que o valor oferecido pelo governo é de R$ 920 mil. A última proposta feita pela defesa da família, no entanto, foi de R$ 3,6 milhões divididos igualmente entre mãe, a ex-mulher e o filho de Genivaldo.
Antes de iniciadas as tratativas, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse nas redes sociais em 6 de janeiro que havia determinado ao secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira, providências visando à indenização legalmente cabível.
“Genivaldo morreu, em 2022, em face de uma ação de policiais rodoviários federais, em Sergipe. É clara a responsabilidade civil, à luz da Constituição”, disse em um trecho da postagem.
Enquanto aguarda por um desfecho, a família tenta fazer a vida voltar à normalidade.
Fabiana dos Santos, viúva, conseguiu em agosto do ano passado um trabalho de meio expediente na Prefeitura e Umbaúba e agora faz parte da equipe de limpeza da sede da secretaria municipal de Agricultura.
O emprego veio em boa hora. Sem a pensão de Genivaldo, Fabiana enfrentou dificuldades e acumulou dívidas para se manter: “Não tive nenhum apoio, fiquei nas mãos do Senhor”.
Ela também voltou a estudar e está cursando o ensino médio. Sua meta é prestar vestibular para direito, área pela qual se interessou após o imbróglio judicial envolvendo a morte do marido.
Damarise de Jesus Santos, irmã de Genivaldo, afirma que a família reza todos os dias por justiça. E diz que a perda do irmão é irreparável: “A dor é grande, a saudade é imensa. O sofrimento que a gente está passando não é brincadeira”, diz.
Familiares afirmam que o filho Enzo sente muita falta do pai. A criança, que costuma fazer desenhos representando o pai como uma estrela no céu, ainda não sabe a forma como Genivaldo foi morto.
Pai e filho tinham uma convivência de muita proximidade. “Eles faziam tudo junto, estudavam, saíam, passeavam. Me esforço para me manter de pé e cumprir o papel de pai e de mãe, mas sei que nada vai suprir a ausência do pai na vida dele”, lamenta Fabiana.
Nesta quinta-feira (25) uma missa em memória de Genivaldo com a presença da família será realizada na Igreja de Santo Antônio, em Umbaúba.
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress