SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há dez anos, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obrigava cartórios de todo o país a celebrar casamentos homoafetivos. A decisão seguia entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) que, em 2011, havia declarado ser ilegal negar união civil entre pessoas do mesmo sexo.
De lá para cá, o número de matrimônios entre homo ou bissexuais brasileiros quadruplicaram. Em 2013, primeiro ano de obrigatoriedade nacional, ocorreram 3.700 celebrações. Já em 2022, foram 12.987. O levantamento é da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, que responde pelos cartórios.
No último ano, foram registrados mais de 5 milhões de casamentos no país. Os homoafetivos representaram 0,02%.
Até abril deste ano, o Brasil contabilizou 76.430 uniões civis entre pessoas do mesmo sexo. Em média, são realizadas 7.600 celebrações por ano, sendo 56% delas entre pares femininos e 44% entre masculinos.
Antes de o CNJ publicar a resolução e padronizar a atuação das unidades registrais no país em solicitações de conjúgio homoafetivo, cartórios eram obrigados a solicitar autorização judicial para celebrar tais atos.
Vivianne Ferreira, mestre em direito civil e professora na FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz que, apesar de a possibilidade de junção legal entre membros da comunidade LGBTQIAP+ dever ser celebrada, a base jurídica a mantê-la ainda é frágil.
“Ela não é fundamentada em lei ou na Constituição, mas em entendimento do STF. Em todo esse período, nosso parlamento foi incapaz de formar maioria para legislar sobre o tema, garantindo maior proteção para a população”, diz ela.
Ferreira não acredita que haja possibilidade de retrocesso. Entretanto, pede atenção. “Um Supremo composto por membros mais conservadores poderia alterar a jurisprudência.”
O corretor de imóveis Gabriel Negrão, 33, e o jornalista Douglas Picchetti, 34, juntaram escovas de dente em 27 de abril de 2019. Até chegar àquele momento, a dupla passou por alguns desencontros.
Moradores de São Paulo, eles se conheceram em uma festa na capital. Era 22 de dezembro de 2012, início de madrugada. Douglas quase não compareceu ao evento, marcara outro compromisso. Por insistência dos amigos, foi.
Gabriel estava lá. Se viram na pista de dança, trocaram olhares e beijos. Perderam-se. Novo encontro aconteceu no fumódromo e conectaram-se no Facebook. Dias depois, começaram a sair. Logo, eram namorados.
Passado algum tempo, resolveram abrir o relacionamento. Tudo muito rápido. Não houve sintonia. Romperam.
Um ano e meio depois, às vésperas do Carnaval de 2018, Douglas procurou por Gabriel. “Saímos na sexta-feira de Carnaval e reatamos”, relatam quase uníssonos. A volta foi de romance avassalador. Gabriel, corajoso, aproveitou seu aniversário daquele ano para pedir Douglas em casamento. Ele, extasiado, aceitou. Por amor.
Ainda em 2018, outro casal, ainda mais incipiente, se formava. Em uma tarde de maio daquele ano, Camila e Silvia Veríssimo Guesa se beijavam na avenida Paulista, em São Paulo. “Desde então, não nos largamos”, diz Camila.
Ela, 36, é recreadora infantil, e Silvia, da mesma idade, vendedora. O primeiro encontro foi marcado via plataforma de relacionamento. Seis meses depois, era oficializado o namoro, com aliança e tudo, na Argentina. Em março de 2019, já eram noivas.
Marcaram o casamento para março do ano seguinte, mas a pandemia de Covid-19 o adiou. Então, resolveram passar um tempo juntas -Camila foi para a casa de Silvia. “Inicialmente para dividir o pacote de internet, que era mais rápido e melhor para trabalhar em home office”, relata a recreadora.
A ideia era compartilhar a cama e a conexão por 15 dias. O isolamento social e o apreço pela companhia uma da outra, no entanto, não as deixaram se afastar.
Em junho daquele ano, celebraram união estável em cerimônia cheia de amigos e familiares, virtualmente. Seus vizinhos foram as testemunhas. Um ano depois, se casaram.
A festança aconteceu em 2022, após imunização de todos. Nela, Camila e Silvia já estavam grávidas de cinco meses via reprodução assistida. Pouco depois, nasceram Maria Fernanda e Benício.
“Casar e ser um casal homossexual é, mais do que uma união, um ato político. Na verdade, existir como casal e resistir é um ato político”, declaram as mulheres.
São Paulo lidera o ranking de celebrações homoafetivas, tendo realizado 38,9%, com quase 30 mil matrimônios. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 8,6% dos casamentos (6.574) e Minas Gerais, em que houve 6,6% das celebrações (5.062).
Para realizar o casamento civil é necessário que os noivos, acompanhados de duas testemunhas -maiores de 18 anos e com seus documentos de identificação-, compareçam ao cartório de registro civil da região residencial de um dos nubentes para dar entrada na habilitação da união.
Os prometidos devem levar certidão de nascimento (se solteiros), de casamento com averbação do divórcio (para os divorciados), de casamento averbada ou de óbito do cônjuge (para os viúvos), além de documento de identidade e comprovante de residência.
Outros países onde o casamento homoafetivo é permitido
África do Sul: primeiro e único país da África a legalizar, em 2006
Alemanha: aprovado pelo Parlamento em 2017, mas união civil era permitida desde 2001
Argentina: pioneira na América Latina, aprovou em 2010
Austrália: aprovado em 2017
Bélgica: aprovado em 2003
Dinamarca: primeiro do mundo a reconhecer a união civil, em 1989, aprovou o casamento em 2012
Estados Unidos: reconhecido em todo o país após decisão da Câmara em 2022
Holanda: primeiro país do mundo a legalizar o casamento, em 2001
Irlanda: aprovado por referendo, em 2015
Noruega e Suécia: aprovado em 2009
Portugal: aprovado pelo Parlamento, em 2010
Uruguai: aprovou o casamento gay em 2013
BRUNO LUCCA / Folhapress