A votação da chamada PEC da Blindagem foi adiada na Câmara dos Deputados após uma reunião marcada por divergências entre os partidos. A proposta, que mexe nas regras sobre investigações e punições a parlamentares, gerou embates no centrão e resistência de algumas legendas, o que acabou inviabilizando a tentativa de aprová-la na noite de quarta-feira (27).
A ideia principal da pauta era retomar uma blindagem que existia para os deputados federais e senadores até 2001, que impede que sejam processados criminalmente enquanto não houver autorização do próprio Congresso para que o julgamento ocorra. Mais de 200 inquéritos ficaram travados entre a Constituição de 1988 e 2001, sem nunca serem votados. Hoje, o Legislativo pode suspender investigações se considerar que há uso político, mas não é mais exigido um aval para iniciar as investigações.
A proposta de agora também prevê que deputados e senadores só possam ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis, cabendo à Casa Legislativa decidir se a prisão será mantida.
Nesse sentido, a aplicação de medidas cautelares, como a instalação de tornozeleira eletrônica, só seria possível depois de decisão da maioria do plenário do STF (Supremo Tribunal Federal). O presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB) afirmou que discutir a PEC da Blindagem é um direito da Câmara.
O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG) foi designado relator da proposta e passou a negociar com partidos e oposição para construir um texto com chances reais de aprovação. Entretanto, durante a reunião com líderes partidários, surgiu uma segunda versão do parecer, elaborada por deputados do centrão. Essa minuta propunha aumentar o quórum necessário para que uma denúncia fosse aceita pelo STF e suspendia inquéritos já em andamento até aval do Legislativo.
A versão alternativa também permitiria que o Congresso rejeitasse politicamente a prisão de parlamentares e decidisse, a cada 90 dias, se a detenção seria mantida -o que só poderia ocorrer em face de flagrante por crime inafiançável. Os. Deputados contrários classificaram o texto como radical ou exagerado, o que afastou o apoio da maior parte das bancadas e contribuiu para o adiamento da votação.
A segunda versão também pretendia equiparar o quórum para recebimento de denúncias criminais contra deputados e senadores ao quórum necessário para que o Congresso autorize o presidente da República a ser processado criminalmente ou alvo de impeachment. Hoje, para que uma denúncia avance no STF, é necessária maioria do colegiado (6 votos no plenário ou 3 votos na turma). Com a mudança, seriam necessários 8 dos 11 votos no plenário ou 4 dos 5 na turma.
A proposta ganhou apoio dos partidos do centrão e também da oposição, mas foi questionada pelos deputados de esquerda. Eles afirmaram que as mudanças eram absurdas, extemporâneas e seriam declaradas inconstitucionais pelo STF, o que só agravaria a crise entre os Poderes e daria munição aos bolsonaristas no enfrentamento do Judiciário.
O líder do PDT, Mário Heringer (MG), questionou se o relator concordava com o texto. Lafayette Andrada, que é advogado, respondeu, se aquele texto alternativo fosse levado à votação, ele se recusaria a assinar o relatório, pois as propostas não eram razoáveis juridicamente, de acordo com cinco parlamentares que participaram da reunião. Procurado pela reportagem, ele não comentou.
Deputados se dividem sobre se o adiamento levará a um arquivamento temporário da proposta ou se o tema voltará a ser discutido na próxima semana. Mesmo os integrantes da esquerda dizem que a discussão de prerrogativas, como não serem processados por suas palavras e discursos, é um tema sensível e com apelo no plenário. O texto radical, porém, é considerado enterrado e sem maioria.
A PEC surgiu como parte de uma negociação liderada pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), o líder do PP, deputado dr Luizinho Teixeira (RJ), e o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) para suspender o motim dos bolsonaristas, que impediram Motta de presidir as sessões para cobrar a anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A intenção do centrão é se blindar também contra investigações sobre desvios em emendas parlamentares ao Orçamento, que já atingem mais de 80 inquéritos no STF, segundo afirmou o ministro Flávio Dino em almoço com congressistas.
Após a reunião frustrada de quarta, as resistências à proposta aumentaram e tornaram mais difícil sua aprovação. O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), declarou nesta quinta (28) ser contra as mudanças para blindar os parlamentares e no foro especial. Na reunião com Motta, o partido tinha indicado posição favorável ao texto do relator.
O deputado Hildo Rocha (MA), vice-líder do MDB na Câmara, disse que ainda não há consenso no partido, mas que a tendência é fechar questão contra a PEC. “Impedir investigação não existe. É coisa para ter bandido lá na Câmara, encher com a turma do PCC e do Comando Vermelho”, criticou.
O PSD informou na reunião que votará contra a PEC, embora parte dos seus deputados possa vir a apoiá-la. Um vídeo foi distribuído para a bancada do presidente do partido, Gilberto Kassab, dizendo que a proposta “é inadmissível”. “Essa impossibilidade de o Judiciário abrir processo se não tiver autorização, eu sou radicalmente contra”, disse.
Se MDB e PSD se juntarem aos partidos de esquerda contra a PEC, aprovar o texto será muito mais difícil, na avaliação dos parlamentares. Juntos, esses partidos chegariam a 214 deputados, o que faria com que restassem apenas 299 votos nas demais legendas, menos do que os 308 necessários. Mas o resultado é incerto, mesmo assim, porque há divergências dentro de quase todos os partidos.
Outro motivo para o adiamento, nesta quarta, foi a falta de quórum para uma deliberação polêmica e já tarde da noite. Quando a sessão foi encerrada, mais de 22h, apenas 469 dos 513 deputados tinha marcado presença, o que tornava mais complicado chegar nos 308 votos de aprovação.
Os deputados também querem combinar com os senadores a elaboração de um texto de consenso, que possa ser aprovado rapidamente entre as duas Casas para evitar que a demora eleve o tom das críticas da sociedade trave a PEC no Senado.



