SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ano ainda era 2019 quando foram detectados casos de pneumonia desconhecida na cidade chinesa de Wuhan. O que era antes uma doença desconhecida logo ganharia denominação e agente causador: o Sars-CoV-2, um vírus do grupo dos coronavírus.
Diferente dos seus parentes, porém, o coronavírus evoluiu em uma taxa acelerada nos últimos anos. Enquanto as duas formas mais próximas e que também causaram surtos epidemiológicos, os vírus Sars e Mers, o Sars-CoV-2 provocou mais de 670 milhões de casos, contra 8.098 do Sars e 2.603 do Mers.
Tal capacidade infecciosa deve ser colocada em perspectiva, é claro, de um mundo muito mais globalizado, com conexões aéreas e portuárias entre os países mais intensas, e também pela falta de medicamentos ou vacinas que pudessem controlar as infecções em um primeiro momento.
Nesta sexta-feira (5), após mais de três anos e quase 7 milhões de mortes, a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou que a Covid-19 não é mais uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (Espii).
De início, muitos virologistas e infectologistas consideravam que os casos de Covid atingiram um pico ainda em 2020 e depois iriam reduzir progressivamente. Comparando aos outros vírus da família Coronaviridae, a taxa de mutação não era muito elevada.
Mas o surgimento da primeira variante, a D614G, no verão europeu, já deixava claro que o Sars-CoV-2 iria seguir um curso evolutivo distinto. Depois disso, mais de 200 tipos do vírus surgiram em todo o mundo.
As variantes são classificadas como um conjunto de mutações que surgem no vírus e acabam transformando aquela amostra única e diferente das outras. Algumas variantes, da mesma forma que surgem, desaparecem. Outras, por terem características que as tornam mais transmissíveis, com potencial de causar doença grave elevado ou de escape de anticorpos, podem causar preocupação. São as chamadas VOCs (na sigla em inglês, variantes de preocupação).
Dentre as principais VOCs que causaram estragos no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) estão a alfa, que surgiu em novembro de 2020 no sudeste da Inglaterra, a beta, identificada primeiro em dezembro de 2020 na África do Sul, a gama (ou P.1), identificada primeiro por cientistas japoneses e depois por pesquisadores da Fiocruz Amazônia, que surgiu em Manaus, em janeiro de 2021 e esteve associada ao drama de Manaus, a delta, que causou uma onda de infecções na Índia em abril de 2021.
Apesar de terem apresentado algum tipo de preocupação, essas variantes foram progressivamente substituídas em todo o mundo por uma nova que apareceu no final de 2021 e que permanece até hoje como predominante: a ômicron.
Considerada a variante com o maior número de mutações até então, a chegada da ômicron em diversos países provocou picos de infecções, com registros de até 1 milhão de novos casos por dia. No Brasil, a ômicron provocou uma explosão de casos no início de 2022 em meio a um apagão de dados oficiais de Covid.
Aos poucos, foi possível ver que os sintomas relacionados a ela eram mais leves comparados às outras formas. Predominavam as infecções leves, com dores de garganta e coriza, e poucas internações com necessidade de internação. Porém, é importante reforçar que esses sintomas eram aqueles mais comuns em pessoas saudáveis e vacinadas, e a Covid segue sendo uma preocupação de saúde maior em pessoas imunossuprimidas, nos grupos de risco (como os mais velhos) e naqueles que não se imunizaram.
A alta circulação do vírus, uma vez que mesmo pessoas que já haviam feito uma proteção primária com duas doses de vacina ou dose única podiam se infectar, acabou gerando novas mutações e sublinhagens da ômicron começaram a se espalhar. Primeiro, foi a BA.1, relacionada a um aumento de casos no início do verão no hemisfério Norte. Depois, as formas BA.4 e BA.5 provocaram novos surtos, dessa vez no final do verão americano, e as pessoas correram para receber doses de reforço.
Por terem provocado um grande número de novas infecções e, consequentemente, novas internações e óbitos, as vacinas existentes foram atualizadas para incluir essas variantes do vírus, como as vacinas bivalentes da Pfizer e da Moderna. A estratégia era incluir a proteína S do vírus contendo as mutações presentes na BA.1 e na BA.4/BA.5 para garantir assim uma melhor prevenção contra a Covid.
Já no final de 2022, uma nova linhagem da ômicron, resultado de modificações na linhagem da BA.5, provocaram um novo aumento de casos global: a BQ.1 e suas descendentes (incluindo a BQ.1.1).
Apesar de ter uma maior capacidade de driblar os anticorpos produzidos tanto por vacinação quanto por infecção prévia, a BQ.1.1 não apresentou mudanças no quadro clínico, como as outras subvariantes da ômicron, e seguiu como a variante dominante por alguns meses em diversos países, incluindo o Brasil.
No final de dezembro do último ano, porém, uma nova sublinhagem, resultado da combinação de duas variantes da BA.2, denominada XBB.1.5, provocou uma nova mudança no cenário de variantes em circulação e causou um aumento de casos em todo o mundo.
Considerada pela OMS como a “mais transmissível de todas”, os estudos sobre se a variante causa uma doença mais grave ou se ela consegue furar a proteção conferida por vacinas ainda são muito preliminares e pouco conclusivos. O que se sabe é que as mutações que conseguem escapar da ligação de anticorpos neutralizantes um dos tipos de proteção, mas não o único também são encontradas na XBB.1.5, fazendo com que, em testes em laboratório, os anticorpos não conseguissem neutralizar esta nova cepa.
Segundo especialistas, o futuro da Covid será inevitavelmente se tornar uma doença respiratória endêmica como muitas outras, a exemplo da gripe, causada pelo vírus influenza. Porém, não é possível ainda prever qual será a cepa dominante quando isso ocorrer. A depender da história evolutiva do Sars-CoV-2, muita água pode rolar ainda.
ANA BOTTALLO / Folhapress