SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Se a humanidade quiser evitar que suas ações desequilibrem de vez os sistemas que sustentam a vida na Terra e, ao mesmo tempo, garantir condições decentes de subsistência para todas as pessoas, vai ser preciso adotar um conjunto estrito de “limites de velocidade” na maneira como usamos os recursos naturais, afirma um novo estudo.
A má notícia é que várias dessas “placas de trânsito” planetárias já estão sendo ignoradas em nível global ou local, afirma o levantamento, que acaba de ser publicado na revista científica Nature.
“A ciência está mostrando claramente que as ações humanas estão desestabilizando o sistema-Terra, e o único caminho é que nos transformemos em guardiões desse sistema”, resume um dos coordenadores da pesquisa, o sueco Johan Rockström, do Instituto de Pesquisas sobre Impactos Climáticos de Potsdam (Alemanha).
Num trabalho publicado em 2009, Rockström e seus colegas foram os responsáveis pela formulação original do conceito de limites planetários. Segundo essa ideia, haveria uma limitação natural para o funcionamento de componentes do planeta, como o ciclo da água, o fluxo de nutrientes essenciais para as plantas e a biodiversidade.
Caso esses componentes fossem explorados além da sua capacidade normal de funcionamento, a estabilidade ambiental da qual os seres vivos dependem para subsistir poderia sofrer perturbações severas, com impactos potencialmente catastróficos inclusive para os seres humanos.
No novo estudo, o pesquisador sueco e seus colegas, como Joyeeta Gupta, da Universidade de Amsterdã, e Dahe Qin, da Academia Chinesa de Ciências, expandiram o conceito para formular limites planetários que sejam tanto “seguros” para a vida humana quanto “justos” para as diferentes sociedades em escala planetária.
“Buscamos criar unidades de medida comuns que unissem as visões das ciências da natureza e das ciências sociais sobre o problema”, explicou Rockström em entrevista coletiva online. “Nosso ponto de vista é que não existe segurança [ambiental] sem justiça”, resumiu Gupta.
A lista de fronteiras do “sistema-Terra” defendida pelos especialistas inclui elementos como o clima, a presença de ecossistemas naturais, a disponibilidade de água potável na superfície e no subsolo, os nutrientes nitrogênio e fósforo (presentes, por exemplo, em fertilizantes industriais) e os aerossóis (grosso modo, pequenas partículas em suspensão na atmosfera).
Para definir fronteiras planetárias que sejam não apenas seguras como também justas para todos, os pesquisadores levaram em conta três grandes princípios. Do ponto de vista humano, eles destacam a justiça intergeneracional (ou seja, entre gerações, de modo que os netos e bisnetos da população atual não tenham sua vida seriamente prejudicada por decisões egoístas tomadas agora). Há ainda a justiça intrageneracional (dentro da mesma geração), entre diferentes países, comunidades e indivíduos.
Mas os pesquisadores também destacam a justiça interespécies, considerando que os interesses dos seres humanos não podem ser os únicos a pesar na balança dos limites planetários. A equipe diz que é preciso rejeitar o “excepcionalismo humano” para que esse objetivo seja alcançado.
Na maioria dos casos, os limites considerados “justos” e “seguros” batem, mas há exceções. No caso da crise climática, por exemplo, a equipe considerada que um máximo de aumento da temperatura média global de 1,5 grau Celsius (o mesmo estabelecido como desejável pelo Acordo de Paris, pacto global sobre o tema) seria “seguro”.
Mas manifestações muito negativas das mudanças climáticas já estão se fazendo presentes com o aumento de temperatura detectado atualmente, de 1,2 grau Celsius, afetando principalmente os mais vulneráveis. Daí a consideração de que o limite “justo” seria de apenas 1 grau Celsius. Como não há perspectiva de desfazer o estrago climático nas próximas gerações, isso indica a necessidade de compensações para os mais afetados hoje.
Os demais limites já foram quase todos rompidos, mas seriam, em tese, mais fáceis de reverter do que os climáticos. É o caso da área com reservas naturais bem preservadas, por exemplo. Os pesquisadores calculam que pelo menos algo entre 50% e 60% da área terrestre do planeta deveria ter essa função. Porém, entre 45% e 50% do território global já está ocupado por atividades humanas.
A exceção, segundo os cálculos do grupo, é a presença de aerossóis poluentes (derivados principalmente da queima de combustíveis e biomassa). A produção atual de aerossóis é de cerca de um terço do que seria o limite planetário.
Para Rockström, parte da importância de quantificar todas essas variáveis é achar maneiras claras de implementá-las não apenas no nível global mas também em escalas locais, levando em conta regiões, cidades e mesmo empresas, porque muitas das mudanças mais importantes terão de acontecer em nível local.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress