SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos e o Reino Unido resgataram seus diplomatas no Sudão neste sábado (22), enquanto combates entre duas facções militares do país se desenrolavam -o conflito entra em sua segunda semana com mais de 420 pessoas mortas e 3.700 feridas, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Outros países, porém, enfrentam dificuldades para retirar seus cidadãos.
Os funcionários dos EUA e seus dependentes foram retirados com a ajuda de um helicóptero. Após a operação, que removeu quase cem pessoas, Washington suspendeu o funcionamento de sua embaixada. “Essa trágica violência no Sudão já custou a vida de centenas de civis inocentes”, afirmou o presidente americano, Joe Biden, pelas redes sociais. “É inescrupuloso e deve parar.”
Por enquanto, os EUA não têm planos para resgatar outros cidadãos americanos que permaneceram no Sudão, mas buscam alternativas para ajudá-los a sair do país.
À iniciativa de Washington se seguiu uma operação do Reino Unido, que, neste domingo (23), retirou funcionários diplomáticos e seus familiares do Sudão. “Continuamos buscando todos os caminhos para acabar com o derramamento de sangue no país e garantir a segurança dos britânicos que lá permanecem”, afirmou o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, em post no Twitter.
O atual conflito é fruto das divergências dos antigos aliados Fatah al-Burhan, líder sudanês, e Hemedti, como é conhecido o chefe do grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português). Juntos, em 2019, derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir e, após um golpe em 2021, lideraram o conselho que supervisionava a transição para um governo civil. A ideia de uma fusão das RSF com o Exército do país, no entanto, gerou discordâncias que, por fim, mergulharam o Sudão no caos.
Os confrontos acontecem sobretudo na capital Cartum, uma das maiores áreas urbanas da África, e na região de Darfur, a oeste, onde uma guerra em 2003 matou 300 mil pessoas e deslocou outras 2,7 milhões.
A França também tenta resgatar diplomatas e cidadãos, segundo a chancelaria do país europeu. Ainda não se sabe, porém, se a ação teve êxito. De acordo com o Exército sudanês, um francês ficou ferido após o comboio de resgate ser atingido pelas RSF -que, por sua vez, atribuíram o ferimento às forças oficiais.
Se confirmado, esse não seria o único caso -um membro da missão do Egito foi ferido por um tiro. O país pede aos cidadãos que estiverem fora de Cartum para se dirigirem aos consulados ao norte, e aos que estiverem na capital, para permanecerem em casa até a situação melhorar. O país afirmou ser necessário um resgate “meticuloso, seguro e organizado” para que seus 10 mil cidadãos no Sudão cheguem em casa.
O Exército sudanês também acusou as RSF de atacar e saquear um comboio do Qatar que ia em direção à cidade de Porto Sudão, mas Doha não divulgou nenhuma declaração sobre qualquer incidente.
No sábado, a Arábia Saudita resgatou 91 sauditas e 66 pessoas de outros países por meio de um navio que atravessou o Mar Vermelho. Rússia, Coreia do Sul, Jordânia, Turquia e Alemanha também tentam viabilizar resgates, enquanto o Canadá anunciou a suspensão temporária de suas operações no país.
O embaixador de Moscou em Cartum afirmou à mídia estatal russa que 140 dos cerca de 300 cidadãos do país no Sudão manifestaram o desejo de partir. Planos de resgate foram feitos, afirmou ele, mas ainda não é possível implementá-los, porque os caminhos de saída cruzariam linhas de combate.
Para o pesquisador Hamid Jalafallah, ouvido pela agência de notícias AFP, “pedir [a abertura de] corredores humanitários para transportar os estrangeiros sem ao mesmo tempo pedir o fim da guerra” seria terrível. “Os atores internacionais terão menos peso quando saírem do país. Façam o que puderem para sair com segurança, mas não deixem os sudaneses para trás sem proteção.”
A vitória de alguma das facções militares parece distante, e não há sinais de recuo de nenhum dos lados.
Pela primeira vez desde o início dos combates, foi divulgado um vídeo que mostra brevemente Hemedti, chefe das RSF, de farda, numa caminhonete, perto do palácio presidencial de Cartum. Na segunda (17), seu rival, Burhan, disse que estava baseado no quartel-general do Exército, a cerca de 2 km do palácio.
A guerra de informações torna impossível saber quem controla os aeroportos do país e em que condições as instalações se encontram depois de serem danificadas. Segundo a agência de notícias Reuters, porém, soldados das RSF têm muita presença nas ruas e nas pontes da capital, enquanto as tropas do exército estão na vizinha Omdurman. Os bairros, por sua vez, estão praticamente vazios.
Os tiroteios se agravam na capital e nos arredores, segundo relatos à AFP. Aviões de combate sobrevoam a área, enquanto blindados paramilitares avançam. Os sudaneses, em suas casas, temem que o conflito se intensifique após a saída dos estrangeiros, em meio a falta de água e alimentos, além de apagões.
Os hospitais, que sofrem com a escassez de insumos, tampouco são poupados. Ataques já destruíram ou forçaram o fechamento de 72% dos centros de saúde nas zonas de combate, segundo o sindicato dos médicos. Nas ruas, postes estão caídos no chão, enquanto colunas de fumaça saem de lojas incendiadas.
Neste domingo, o papa Francisco pediu diálogo. “Infelizmente, a situação no Sudão continua grave. Por isso, renovo meu apelo para que a violência cesse o mais rapidamente possível e o caminho do diálogo seja retomado”, afirmou ele durante sua tradicional oração dominical na Praça de São Pedro, no Vaticano.
Tentativas de cessar-fogo fracassam sucessivamente desde o início do conflito, no dia 15. Ambas as partes afirmaram que interromperiam os combates por três dias a partir de sexta (21), durante o Eid al fitr, feriado que marca o fim do período de jejum do Ramadã. Eles, porém, acusam-se de romper a trégua.
O Programa Mundial de Alimentos da ONU alertou que milhões podem passar fome devido à violência no terceiro maior país da África, onde um terço da população precisa de ajuda. Saqueadores levaram pelo menos dez veículos do órgão depois de invadir os escritórios da agência no sul da região de Nyala.
Durante o conflito, três funcionários do programa foram mortos, o que levou à interrupção das operações do órgão no país. Na sexta, um funcionário da Organização Internacional para as Migrações, outro programa das Nações Unidas, também foi morto em decorrência dos combates.
Redação / Folhapress