EL PASO, EUA (FOLHAPRESS) – Em cada dez moradores de El Paso, cidade texana na fronteira com o México, oito são hispânicos imigrantes ou descendentes de latino-americanos. Mas, nas ruas da cidade onde se fala mais espanhol do que inglês, a chegada em massa de imigrantes nos últimos meses está longe de ser consenso.
A fronteira dos EUA com o vizinho latino passa por crise inédita: 2,6 milhões de pessoas foram flagradas atravessando a divisa de maneira irregular no ano passado, e El Paso está no centro desse turbilhão.
Das nove regiões divididas pelo CBP (Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA, na sigla em inglês), a cidade de 868 mil habitantes concentrou 24% do total de apreensões neste ano.
A cifra de pessoas cruzando a fronteira cresceu na medida em que se aproxima o fim do Título 42, que permite expulsar migrantes antes que possam pedir asilo. O dispositivo será encerrado nesta quinta (11).
A cidade não tem condições de receber essa quantidade de gente, diz Marta, outrora uma imigrante em situação ilegal e hoje dona de um restaurante mexicano ela prefere não revelar o sobrenome por medo de represálias. “Cheguei aqui em 1980, irregular, sim, mas em pouco tempo consegui minha cidadania. Agora não há trabalho. Como eles pretendem arrumar dinheiro? Não vai ficar perigoso, já está”, afirma.
Para o militar aposentado Arthur Turza, 62, nascido em Detroit, no norte do país, e em El Paso há 11 anos, a quantidade de imigrantes chegando na cidade mostra que o governo Joe Biden “é um desastre”.
Trumpista, ressalta o que chama de hipocrisia de líderes democratas em lugares longe do problema. “Quando o governador [do Texas Greg] Abbott começou a mandar imigrantes para Nova York e Chicago, os prefeitos pediram para parar, pois não tinham condições de recebê-los. Adivinhem: também não temos.”
O próprio prefeito de El Paso, o democrata Oscar Leeser, enviou 10 mil imigrantes a Nova York no ano passado, segundo ele com autorização do prefeito Eric Adams, o que não descarta fazer de novo se passar a receber “5.000, 10 mil pessoas por dia”. “Eles não estão vindo para El Paso, estão vindo para os EUA. Nosso trabalho é continuar a ajudar requerentes de asilo a chegar a seus destinos finais”, diz.
O discurso do militar aposentado ecoa argumentos dos republicanos, que têm na crise da fronteira sua principal arma para atacar Biden, candidato à reeleição. Abbott tem tentado se contrapor ao presidente e colocou suas próprias tropas estaduais para expulsar imigrantes que cruzam o rio o que abriu margem para questionamentos da legalidade da medida, uma vez que a função seria da patrulha de fronteiras.
“Quando Biden chegou e eliminou todas as políticas de Trump e estendeu um tapete de boas-vindas para o mundo todo dizendo que a fronteira está aberta, subitamente começou o caos”, disse o governador em entrevista à Fox.
O governo Biden mandou 1.500 soldados para a fronteira e tem tentado desencorajar a travessia ilegal, com anúncios em espanhol de que as fronteiras não estão abertas, o que tem tido pouco efeito prático. O próprio presidente admitiu que a situação deve permanecer “caótica por um tempo”. Pesquisa da agência de notícias Reuters e do instituto Ipsos divulgada na terça-feira (9) apontou que apenas 26% da população concorda com a maneira com a qual o presidente lida com a imigração.
A dona de casa Dulce María Rodríguez, 42, afirma pensar diferente do militar aposentado. “Minha família só sobreviveu quando chegou porque teve ajuda, então preciso ajudar, mesmo que seja com pouco”, afirma ela, que foi distribuir lanches e salgadinhos para alguns imigrantes nas ruas do centro da cidade.
Sob o calor de 32ºC e umidade relativa do ar em 7% no deserto texano, não paravam de chegar ofertas de garrafas d’água até para os jornalistas que se sentavam para conversar com os imigrantes. Pelas redes sociais, moradores se mobilizam para ajudar com as coisas mais diversas: desde suplementos alimentares para abrigos que não têm espaço até pastas para imigrantes guardarem seus documentos.
A igreja com a maior quantidade de imigrantes dormindo em sua calçada, a Sagrado Coração, abriu em dezembro do ano passado um galpão para abrigar 130 pessoas e oferecer comida, banho, remédios e internet para quem passa a noite ali, além de ajuda com informações sobre como receber dinheiro de familiares ou que ônibus precisam tomar para chegar a seus destinos. A preferência é para mulheres e crianças, o que gera um contraste entre os que ficam na rua, em sua maioria homens.
Entre os muitos voluntários ali, de pessoas com casaco da Cruz Vermelha a moradores comuns da região, estudantes de uma cidade a 2.600 km de distância brincam com as crianças e conversam com os viajantes para ouvirem suas histórias. São alunos da Universidade Queens, em Charlotte, na Carolina do Norte, que estudam migrações e todo ano passam uma semana em El Paso. “Neste ano a situação é singular porque é muito mais sensível”, afirma Adrian Bird, coordenador do programa. “Não há muito o que podemos fazer, mas só de tratar as pessoas aqui com dignidade é uma ajuda.”
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress