LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Levado irregularmente para a Alemanha na década de 1990, o dinossauro brasileiro Ubirajara jubatus -protagonista de uma campanha inédita de cientistas contra o tráfico internacional de fósseis- voltará ao Brasil no próximo domingo (4), trazido por um dos principais nomes do governo do país europeu, a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock.
O envolvimento da chefe da diplomacia alemã, que já tinha uma visita programada ao país, é considerado um sinal de prestígio para o ato de repatriação do material. O ministro do Trabalho e Temas Sociais, Hubertus Heil, também participa da viagem.
A data para a chegada do material e a composição da comitiva foi confirmada pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro. As negociações envolveram o Instituto Guimarães Rosa, ligado ao Itamaraty, o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e a Embaixada da Alemanha em Brasília.
Após meses de indefinição quanto ao destino final do exemplar, o MCTI indicou que o fóssil ficará depositado no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, que pertence à Urca (Universidade Regional do Cariri), no Ceará, mesma região onde o animal viveu há cerca de 110 milhões de anos.
A permanência do animal no Nordeste, defendida pela Sociedade Brasileira de Paleontologia e pela maioria dos cientistas envolvidos na campanha virtual para a devolução do exemplar, tem potencial para ajudar a fomentar o turismo ligado ao rico patrimônio de fósseis da região.
Uma das criadoras da campanha virtual pela devolução do dinossauro, a paleontóloga Aline Ghilardi, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, considera que a devolução do fóssil ao Brasil representa um marco importante.
“É a repatriação de um fóssil que significa muita coisa, não só o engajamento da comunidade paleontológica, mas da sociedade em geral pedindo o retorno de um bem. Houve um diálogo grande sobre os fósseis e a importância de preservá-los”, diz a cientista.
O dinossauro estava em posse do Museu de História Natural de Karlsruhe, que se recusava a devolvê-lo ao Brasil, apesar da pressão dos cientistas e da diplomacia brasileira.
Diretor da instituição até janeiro de 2022, o paleontólogo Eberhard “Dino” Frey foi um dos autores do artigo do Ubirajara jubatus. Ele foi sucedido no cargo por Norbert Lenz, que também assinou o trabalho sobre o dinossauro brasileiro.
A repatriação só foi adiante após determinação de autoridades da região de Baden-Württemberg em julho de 2022. Na ocasião, a então ministra da Ciência da região alemã apontou má conduta científica na obtenção do fóssil, em linha com as denúncias dos paleontólogos brasileiros e com afirmações do Ministério Público Federal.
A legislação brasileira determina, desde 1942, que os fósseis são patrimônio da União. Eles não podem ser vendidos ou negociados e, para que saiam do Brasil, é exigida uma autorização formal. A exportação é terminantemente proibida para os exemplares de referência das espécies, os chamados holótipos.
Para serem liberados para coletar material biológico ou mineral em território brasileiro, cientistas estrangeiros precisam incluir pelo menos uma instituição de pesquisa do Brasil.
O trabalho sobre o Ubirajara jubatus, publicado na revista Cretaceous Research, desrespeitava praticamente todos esses pontos. Os autores estrangeiros, porém, negaram qualquer irregularidade e afirmam que o material saiu do Brasil com a devida permissão, o que foi contestado por autoridades brasileiras.
Revoltados com a situação e com a falta de atenção para as implicações do tráfico internacional de fósseis, paleontólogos brasileiros se mobilizaram de forma inédita.
Reunidos na campanha virtual #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil), os cientistas bombardearam as redes sociais com denúncias sobre o caso, além de críticas à Alemanha, ao Museu de História Natural de Karlsruhe e ao periódico científico que endossou o trabalho.
A ação rapidamente ganhou atenção internacional e, pouco depois, a revista Cretaceous Research anunciou a retratação do artigo (retirando sua publicação) com a descrição da espécie.
Embalados pelo alcance e engajamento da campanha pela devolução do Ubirajara jubatus, paleontólogos brasileiros aproveitaram também para denunciar a saída irregular de outros fósseis e para exigir a devolução desses materiais.
Diante do temor de danos reputacionais, o grupo conseguiu uma série de outras vitórias, como a repatriação voluntária de fósseis de aracnídeos pré-históricos em instituições nos Estados Unidos e a de um pterossauro na Bélgica.
No caso mais recente, há cerca de duas semanas, a revista especializada Palaeontologia Electronica cancelou a publicação de um artigo que continha a descrição de mais um dinossauro brasileiro levado irregularmente para a Alemanha, o Irritator challengeri.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress