“O que antes era quase que uma migração exclusivamente mexicana mudou, em 2019, com a quantidade de pessoas de Honduras, El Salvador e Guatemala. Pobreza e violência foram os principais motivadores. Outra grande diferença foi a estratégia de viajar em família, que aumenta os números totais”, diz Gabrielle Oliveira, professora da Faculdade de Educação de Harvard.
Viajar em família, segundo a professora, aumenta, em teoria, a chance de permanecer nos EUA. “Pesquisas qualitativas mostram, por exemplo, um distrito escolar onde a quantidade de crianças brasileiras chegando em escolas triplicou. Então tem mais unidades familiares chegando do que adultos sozinhos”, explica.
A crise migratória nos EUA vem batendo recordes por conta de três fatores: pandemia, dificuldade econômica nos países de origem e a posse do presidente Joe Biden, que prometeu adotar uma abordagem mais humana, mas continua adotando políticas de seu antecessor, Donald Trump, como a deportação em massa.
Neste ano fiscal, os EUA já registraram a chegada de 1,9 milhão de migrantes. No mesmo período de 2020, foram 646 mil. Em 2019, 859 mil. Entre os migrantes, estavam as brasileiras Maria e Roberta – que pediram para ter os nomes reais preservados. O sonho de uma vida melhor, R$ 30 mil gastos na travessia e destinos diferentes separam a história delas. Maria foi deportada para o Haiti com a filha e o marido haitiano. Roberta passou três meses presa antes de chegar a Massachusetts.
Depois dos mexicanos, o segundo maior grupo de migrantes barrados – 367 mil pessoas – inclui haitianos, venezuelanos, cubanos e brasileiros. De acordo com a alfândega americana, no ano fiscal de 2021, 58.059 brasileiros foram detidos, mais do que a soma dos três anos anteriores, quando 45 mil tentaram cruzar a fronteira.
Quando Roberta, de 33 anos, decidiu deixar o Espírito Santo, a ideia era levar o filho de 7 anos junto. Mas, em cima da hora, resolveu deixá-lo com a mãe. Ao chegar aos EUA, foi presa com outros imigrantes e precisou de 97 dias até poder encontrar os parentes que vivem em Denver. “Se estivesse com meu filho, não ficaria nem sete dias presa. Mas fiquei com medo”, contou.
Com cidadania italiana, Roberta acreditou que ficaria nos EUA. Recebeu o roteiro de um coiote ainda no Espírito Santo e pagou R$ 30 mil – porque “era um antigo conhecido da família”, segundo ela. A brasileira partiu em maio. Depois de um voo para o México, iniciou a travessia com cinco pessoas. “Caminhei pouco, passei pelo deserto, andei cerca de 30 minutos, sendo 15 pela areia. Sabia que a qualquer momento a gente poderia ser preso. E aconteceu.”
Detida, Roberta teve o passaporte apreendido, foi revistada e interrogada. Depois, foi trancada em uma cela. “No quarto dia, nos levaram para uma tenda, com um colchão para cada um”, disse. Após alguns dias, foi colocada em um ônibus. Acreditou que seria libertada, mas não. “Fomos algemadas, mãos, pés e cintura. Eles nos colocaram em um avião e nos levaram para um presídio.”
Roberta conseguiu contato com a família oito dias depois de chegar aos EUA. Na prisão, podia fazer ligações de 15 minutos e conseguia conversar com a mãe e o filho. Presa, ela teve crises de choro e conta que dividiu cela com cubanas, venezuelanas e haitianas. “Dá uma agonia, você pensa que nunca mais vai sair de lá.”
Em uma manhã, Roberta foi chamada, fez o teste de covid e foi enviada para uma igreja. “Vocês estão livres”, disseram os guardas. “Então, liguei para meu tio, que comprou uma passagem e fui embora para Massachusetts.” Agora, ela espera as audiências para obter os documentos e ficar nos EUA.
A brasileira Maria pegou um voo de São Paulo para o México com a filha de 1 ano e uma amiga colombiana, no dia 15 de setembro. De lá, comprou passagem para uma cidade da fronteira com os EUA e encontrou o marido, o haitiano Carlos. De lá, os três seguiram em direção ao Texas, como relataram ao Estadão no começo do mês.
Carlos havia deixado São Paulo no dia 5 de julho, pegou um voo até Campo Grande, de onde seguiu por Bolívia, Peru, Colômbia e Panamá. “Ele passou três dias caminhando pela selva sem comida, viu várias pessoas morrendo”, conta Maria.
“No México, a família contratou um coiote, incumbido de pagar os policiais e negociar a viagem. “Em todos os países que meu marido chegava, era preciso pagar os policiais”, disse Maria. Depois de atravessar a fronteira, eles se entregaram às autoridades dos EUA. “Ficamos quatro dias no Texas, dormindo num lençol no chão. Havia muita gente, mais de 5 mil pessoas. A gente apostou tudo que tinha nesse objetivo.”
Foi uma decepção. A família acabou deportada para o Haiti, onde está há quase um mês. Agora, os três tentam voltar ao País e contam com uma vaquinha virtual. “O dinheiro que tínhamos guardado, uns R$ 30 mil, a gente gastou. Não sabemos como fazer para voltar.”
Agência Estado