SÃO PAULO, SP, E SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – Apenas neste mês de maio, competições da Conmebol tiveram quatro casos de racismo semelhantes ao sofrido por Vinicius Junior na Espanha.
“Nós não melhoramos como humanidade. É um desastre o que tem acontecido. O racismo cansa. Que te chamem de macaco e negro é uma falta de respeito”, desabafou o atacante colombiano Hugo Rodallega.
Ele reclama de ofensas raciais sofridas na partida da sua equipe, o Independiente Santa Fe-COL, contra o Gimnasia La Plata-ARG, pela Copa Sul-Americana, na última terça-feira (23).
São cinco queixas de incidentes racistas neste ano nas duas competições continentais organizadas pela confederação: a Libertadores e a Sul-Americana.
Em fevereiro, jogadores do Atlético Mineiro foram recebidos aos gritos de “macacos” pelos torcedores do Carabobo antes de confronto pela Libertadores.
Depois disso, houve denúncias em Racing-ARG x Flamengo, Internacional x Nacional-URU (ambos pela Libertadores), Gimnasia x Independiente Santa Fe e Audax Italiano-CHI x Santos (os dois pela Sul-Americana).
O último aconteceu nesta quarta-feira (24). Os santistas Joaquim e Ângelo se queixaram de insultos raciais sofridos na partida disputada em Rancagua, no Chile.
“Já notificamos à Conmebol e, agora, aguardamos. Alguma solução precisará ser tomada. Queremos uma resposta em caráter de urgência. É uma alternativa que dói, mas, havendo qualquer manifestação, não importa onde: ‘tchau’. O time precisa sair de campo”, afirma o presidente da equipe, Andres Rueda.
“Não estou gostando do caminho que as coisas estão indo. Vão punir o clube com multa ou perda de pontos? Isso não é solução, não vai resolver. Alguém que está no comando do futebol -federações, Conmebol, CBF ou Fifa- precisa achar uma solução de verdade”, completa.
A Confederação Sul-Americana abriu investigação para averiguar os fatos.
Nos casos de Racing e Carabobo, a entidade havia aplicado a multa máxima prevista no regulamento: US$ 100 mil (R$ 500 mil pela cotação atual).
A reportagem consultou a Conmebol a respeito desses incidentes e se outras medidas são estudadas pela entidade, como perda de pontos ou fechamento de estádios. Não houve resposta.
“Há muito tempo, as principais organizações futebolísticas internacionais vêm desenvolvendo mecanismos de combate ao racismo. Mas eles seguem um padrão que não vai às raízes do problema. O esporte comercial não é exemplo de democracia, mas instituição que historicamente tem passado ao largo dos horizontes radicalmente democráticos. As punições baseadas em cifras reflete uma miséria de criatividade e a incapacidade das instituições esportivas e governamentais de oferecerem horizontes concretos de superação [sistêmica] do racismo”, afirma Neilton Ferreira Junior, doutor em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo).
Os casos de racismo entraram mais no foco das discussões por causa de Vinicius Junior. O atacante brasileiro reclamou de ter sido insultado e chamado de “macaco” durante o jogo entre Real Madrid e Valencia, que chegou a ser interrompido pela arbitragem no último domingo (21).
Estes ataques levaram a Procuradoria a abrir uma investigação por “crime de ódio”, categoria penal que, na Espanha, inclui crimes raciais. É a 10ª vez que o brasileiro sofre ataques de cunho racial nos últimos dois anos.
Após o caso em Valencia, a LaLiga, organizadora do Campeonato Espanhol, recebeu uma avalanche de críticas e acusações. Diferente da Conmebol, a entidade espanhola se manifestou. Lançou vídeos, campanhas e diversas notas oficiais, e seu presidente, Javier Tebas -o mesmo que, no domingo, chegou apontar a criticar Vinicius-, pediu desculpas ao jogador.
“Claro que estou preocupado [com a imagem]. Se não estivesse, estaria maluco. Trabalharemos para dar solução a essa imagem. Estou preocupado e a gente tem de trabalhar. Na vida, às vezes a gente recebe golpes”, afirmou o cartola em entrevista nesta quinta.
Sete pessoas foram presas pela polícia espanhola. Três delas relacionadas às ofensas em Valencia. Após depoimento ou pagamento de fiança, todas foram liberadas.
“Está todo mundo falando de Vinicius Junior, mas a gente precisa olhar para a América do Sul. Foram mais de 12 casos no ano passado. Tem de punir. Só a punição não resolve nem nunca resolveu, mas neste momento que a gente vê um crescimento tão grande, a gente tem de punir para que os racistas se sintam inibidos de ir ao estádio de futebol”, opina Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
Na América do Sul, um torcedor do Racing foi filmado fazendo gestos imitando um macaco em direção dos flamenguistas. Em Internacional e Nacional, uruguaio foi fotografado mostrando uma banana na direção de grupo de gaúchos.
“Punição é punir o clube O racista vai sentir a punição no clube. É difícil punir o CPF, o indivíduo. Como vai punir um torcedor [em competição internacional]? Como vai garantir que o torcedor do Racing não vai a São Paulo ver o jogo?”, completa Carvalho.
“Os atletas, de um modo geral, são alvos fáceis das violências de toda ordem porque não encontram espaços de vocalização e reivindicação coletiva dos seus interesses. As instituições esportivas são reconhecidas pela forma autocrática das suas deliberações, o que impede com que os principais interessados fiquem à margem de qualquer processo de determinação dos destinos do esporte. As abundantes demonstrações de que o esporte globalizado enfrenta uma crise deveriam estimular a sociedade a disputar o esporte a partir de outros valores, que não o mais-lucro”, diz Ferreira Júnior.
ALEX SABINO E KLAUS RICHMOND / Folhapress