Garotas da Fórmula 4 encaram desafio de romper barreiras no automobilismo

Cecília e Rafaela, pilotas da Fórmula 4 Brasil (Divulgação/Gabriela Testa)
Cecília e Rafaela, pilotas da Fórmula 4 Brasil (Divulgação/Gabriela Testa)

Minutos após uma breve sessão de fotos, Cecília Rabelo, 15, gentilmente pede para adiar a entrevista que daria à Folha de S.Paulo. “A gente poderia fazer depois da corrida?”, questiona a jovem pilota. Prontamente atendida, ela corre para a entrada do boxe de sua equipe para mais fotografias, desta vez, ao lado de fãs.

Duas horas antes da terceira prova que compõe a etapa de abertura da segunda temporada da Fórmula 4 Brasil, em Interlagos, o paddock está cheio. Entre pilotos e membros das equipes, circulam torcedores em busca de um contato mais próximo com os carros e, sobretudo, com quem vai pilotá-los.

Cecília não queria perder esse momento. Nem ela nem Rafaela Ferreira, 18. Ambas estrearam na categoria no último dia 22 de abril. Elas são as únicas meninas do grid com 12 pilotos.

Ainda que distante de uma equidade, “é o dobro do que tinha em 2022, quando a Aurélia [Nobels] correu”, lembra Rafaela. “Agora ela está na F4 italiana. Então eu espero que nos próximos anos a gente tenha mais meninas competindo [no exterior] também”, acrescenta a catarinense de Criciúma.

Filha de pais belgas, nascida nos Estados Unidos e apaixonada pelo Brasil, Aurélia Nobels, 16, foi a única mulher na temporada inaugural do campeonato de base que soma pontos para a superlicença, necessária para se chegar à F1.

Desde 2017, quando Felipe Massa se despediu, um brasileiro não corre como titular na principal categoria do automobilismo mundial. A F4 brasileira foi criada justamente para tentar dar fim a esse a hiato.

Para Cecília e Rafaela, a competição tem um propósito maior. “Como a F4 é um campeonato de base, com foco em mandar a gente para fora, eu acredito que ela pode ajudar a abrir portas paras mais meninas”, diz Cecília, mineira da cidade de Varginha.

Embora tenha terminado a temporada 2022 da F4 Brasil na última colocação, com somente sete pontos, a experiência no campeonato ajudou Aurélia a vencer a seletiva global FIA Girls on Track Rising Stars. Como prêmio, ela passou a integrar o elenco da Ferrari Driver Academy e viver em Maranello, onde fechou acordo para correr pela tradicional equipe Prema Racing na F4 Italiana.

Na trilha da F1, o próximo passo para ela seria buscar espaço na F3, categoria que atualmente conta com apenas uma mulher, a alemã Sophia Floersch, 22.

A última etapa de formação é competir na F2, que em 2023 conta com 22 pilotos, mas nenhuma mulher, o que mostra o quanto é difícil para elas chegarem à elite do automobilismo. A última que conseguiu foi a italiana Giovanna Amati, que correu na F1 em 1992.

Naquele ano, a F1 tinha 16 equipes e mais de 30 pilotos. Nem todos se classificavam para as corridas, que tinham treinos para definir os 26 que iriam correr no domingo. Amati não conseguiu se classificar para nenhuma das três corridas que tentou. Ela abandonou o Mundial antes do quarto GP, na Espanha.

A maior frustração dela, porém, era o fato de “não ser vista como uma competidora” pelos demais pilotos. Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2019, ela disse que apenas Ayrton Senna a respeitava no grid.

A breve participação da italiana a impediu de se tornar uma referência maior para outras mulheres. Cecília e Rafaela nem citam o nome dela quando questionadas sobre suas inspirações – o primeiro nome citado por elas é o da paulista Bia Figueiredo, que correu na Fórmula Indy por seis anos e, em 2014, foi a primeira mulher a disputar uma temporada da Stock Car Brasil.

Mesmo separadas por gerações, porém, a luta contra o sexismo no principal cenário do automobilismo conecta as jovens brasileiras não só com a trajetória de Bia como também com a de Giovanna Amati.

Rafaela Ferreira, por exemplo, passou por situações constrangedoras durante sua trajetória de quase dez anos no kartismo.

“Quando eu comecei, eu enfrentei bastante esse problema. Tinha alguns pais que questionavam meu carro quando eu ganhava corridas. Já vi pai brigando com o filho e dizendo para ele ‘poh, você perdeu para uma menina?'”, lembra a jovem, a primeira mulher pole position na Copa Brasil de Kart (2022) e quarta colocada no Brasileiro de Kart.

Com apenas um ano de experiência em competições oficiais, Cecília afirma não ter passado por situações semelhantes, mas sente que os meninos “acham que é pior perder pra gente”. A mineira, contudo, faz uma ressalva, afinal “ninguém quer perder para qualquer piloto”.

Na F4, por enquanto, elas se sentem acolhidas. “Os meninos são legais. Como a maioria deles já correu no ano passado, eles nos deram algumas dicas sobre o carro”, conta Rafaela.

Como estreantes, elas tiveram um fim de semana difícil. Somando as três corridas da etapa inaugural, a catarinense contabilizou seis pontos e está em décimo na classificação. Já a mineira ganhou apenas um ponto e está na 12ª e última posição.

O resultado, evidentemente, ainda está distante das ambições de cada uma. Mas foi importante como um primeiro passo dentro dos campeonatos de Fórmula e, sobretudo, no automobilismo brasileiro.

LUCIANO TRINDADE / Folhapress

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