PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL) instaurou um conselho para avaliar a “capacidade moral e profissional” da major da Polícia Militar Lumen Müller Lohn, 44. A oficial, que está há 25 anos na corporação, iniciou um processo de transição de gênero em agosto de 2022.
Ela vive em Santo Amaro da Imperatriz (SC), a 35 quilômetros de Florianópolis, e atua em um cargo administrativo, na Diretoria de Saúde e Promoção Social da PM, há um ano e meio.
A decisão foi publicada no Diário Oficial de 24 de abril de 2023, em que o governador nomeia três oficiais para o conselho, que deve ainda avaliar a “convivência (sic) de sua permanência nas fileiras da Polícia Militar de Santa Catarina”.
Jorginho fez uso de uma lei estadual de 1976 (nº 5.277) que dá ao chefe do Executivo catarinense a prerrogativa instaurar Conselhos de Justificação da PM para avaliar a conduta de policiais em casos em que tenham “procedido incorretamente no desempenho do cargo”, “tido conduta irregular” ou “praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor [recato, pudor] policial-militar ou o decoro da classe”.
A lei não especifica que tipos de comportamento se enquadram nessas categorias e não faz qualquer menção em relação a identidade sexual ou de gênero.
Procurada, a assessoria de imprensa de Jorginho não retornou as tentativas de contato da Folha.
Em nota, a Polícia Militar de Santa Catarina disse que o processo é sigiloso, mas que “originou-se na administração anterior, em virtude de relatos de condutas profissionais consideradas inadequadas”, antes de a oficial comunicar sobre a transição de gênero à corporação, o que foi feito em janeiro de 2023.
O texto diz ainda que a major terá “assegurada ampla defesa”, após o conselho a interrogar e “fornecer-lhe o libelo acusatório onde se contenham com minúcias, o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados”.
Em entrevista ao site UOL, que revelou o caso, Lumen disse tem poucas informações até o momento sobre o que teria motivado o processo. O único ato desabonador citado seria, conforme a oficial, uma “punição leve” que ela teria recebido há mais de seis anos, por entregar um processo fora do prazo.
“Se não fosse a minha situação de uma pessoa trans, eu não veria por que estaria sendo iniciado esse processo. Os documentos não tratam nada sobre transição de gênero mas também não apontam qual é a falha moral que tem que ser avaliada. Nem ética, nem um ponto específico. Ela é altamente genérica”, disse Lumen.
A policial diz deduzir ser vítima de preconceito pela coincidência de datas, dado que iniciou a transição em agosto passado e, em novembro, soube que a Comissão de Promoção de Praças da PM instaurou um processo para investigá-la. A gestão passada, de Carlos Moisés (Republicanos), terminou sem dar encaminhamento ao caso. O conselho instaurado por Jorginho avaliará a conduta da major em até 30 dias.
Lumen disse ter orgulho de ser policial militar e que nunca foi tratada com preconceito pelos colegas. “No meu local de trabalho eu fui muito bem recebida. Eu não tenho nenhum tipo de preconceito ou de dificuldade ou de desconforto. É algo que me deixa ainda mais indignada, porque onde eu trabalho eu não tenho nenhuma reclamação”, disse.
Em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal chegou ao entendimento de que condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na lei 7.716 de 2018, as equiparando ao crime de racismo.
CAUE FONSECA / Folhapress